Por Robson Ramos
“Apenas pessoas éticas têm amigos, os maus têm cúmplices”.
Étienne de La Boétie – Filósofo e Humanista Francês
As cenas da Malhação de Judas – representado por aquele boneco de palha e jornal, roupas velhas e um chapéu, pendurado num poste ou numa árvore sendo estraçalhado por uma turba com pedaços de pau, jogando pedra – nunca me saíram da cabeça. Toda vez que leio algo sobre aquele que traiu Jesus em troca de vantagens pessoais que recebera, minha imaginação me remete àquelas recordações.
Será que é possível entrar para a história da maneira mais vergonhosa do que aquela protagonizada por Judas?
Quando percebeu o que fizera ele não suportou a vergonha trazida para si, para sua família e amigos. Todos sabem que fim levou. Tirou a própria vida se jogando de um penhasco.
Toda traição traz consequências, seja em nível pessoal, social ou político.
Acusado de trair a confiança das melhores tradições dos Estados Unidos, Donald Trump está sendo malhado em tempo real, graças aos eventos mais recentes protagonizados pela invasão do Capitólio. Investigações imparciais poderão esclarecer os fatos. A história dirá.
Em 1974 Richard Nixon renunciou à presidência dos Estados Unidos após o escândalo de Watergate, que se tornou um caso paradigmático de corrupção. O peso da traição da confiança do povo norte-americano tornou-se insustentável e, desgraçadamente, Nixon entrou para a história como um vilão.
A testemunha chave que coroou o trabalho dos jornalistas responsáveis pelas revelações do caso Watergate ficou conhecida como “Garganta Profunda”. No filme “Todos os Homens do Presidente” que mostra esse escândalo, a câmera só consegue flagrar com clareza os olhos desse personagem – Garganta Profunda – na escuridão do estacionamento. Como de fato acontecera, é ele quem fez com que os dois jornalistas trouxessem à luz toda a podridão protagonizada pelo presidente dos Estados Unidos.
O caso Watergate foi o estopim para o surgimento de outra investigação envolvendo o envio de recursos financeiros de empresas dos EUA para campanhas de políticos tanto dos EUA quanto do exterior.
Como resultado dessas revelações, o Congresso dos EUA aprovou em 1977 a lei sobre Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA), com o objetivo de combater a corrupção e restaurar a confiança do público. A elaboração da FCPA serviu de base e inspiração para a criação de convenções internacionais de combate à corrupção.
Intensificou-se a pressão para que os países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) aderissem aos padrões e procedimentos semelhantes no combate à corrupção. Como consequência os Programas de Integridade, também chamados de Compliance, passaram a ganhar peso geopolítico ao redor do mundo nos ambientes corporativos, nos setores Público e Privado.
A legislação que versa sobre a prevenção e o combate à corrupção no mundo é ampla. No Brasil há várias leis que se inserem nesse contexto. Merecem destaque a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei nº 8.443/92), e a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), dentre outras.
Ainda que o Brasil venha se aparelhando e se aprimorando no combate à corrupção, vemos agentes e gestores públicos atuando como se o Estado fosse uma extensão de seus interesses privados. Lamentavelmente não vemos em nosso país a mesma eficiência e agilidade na maneira de lidar com casos de corrupção como acontece em países mais desenvolvidos.
O escândalo de Watergate foi, e é, um caso emblemático, e tem algo a nos ensinar em Balneário Camboriú.
Enganamo-nos quando pensamos que nossa cidade está imune à corrupção. Não é à toa que “traidor” e “traição” foram as palavras que mais ecoaram como resultado da primeira sessão de 2021, na Câmara Municipal. Equivocamo-nos e fazemos um desserviço à comunidade, quando deixamos de dar o devido valor aos acontecimentos que podem ter ensejado uma situação que envergonha os munícipes, que esperam muito mais daqueles que os representam na Casa do Povo.
Certamente há aqueles que, acostumados a tratar os eleitores com descaso, dão de ombros dando a entender que logo a poeira baixará e… “vida que segue” como de costume, ou seja, uns fingem que fazem alguma coisa de valor em prol da sociedade e outros – nós – fingimos que acreditamos. Entra-sessão-e-sai-sessão e tudo cai no esquecimento. E eles, lá dentro, acabam se protegendo, da mesma forma como acontece com os seus pares nas esferas estadual e federal. Tudo farinha-do-mesmo-saco, na percepção dos observadores mais atentos.
Cabe à população ficar atenta, vigilante e cobrar transparência e ética dos seus representantes no Legislativo e no Executivo, quanto ao que de fato aconteceu. Da mesma forma compete aos órgãos competentes usarem de suas prerrogativas e os instrumentos legais disponíveis, tais como a Lei de Improbidade Administrativa e cumprir seu dever, investigando o que de fato aconteceu. Querer colocar panos quentes sobre o caso poderá ser visto como Prevaricação.
A não ser que queiramos ser ingênuos a ponto de acreditar que tudo não passou de um embate corriqueiro em torno do direito de opinião, ou a liberdade para votar nesse ou naquele, não podemos deixar de considerar a possibilidade de que, interesses difusos possam ter motivado aquela situação e, justificadamente, atraído a pecha de traidor aos envolvidos.
Se os protagonistas daquele imbróglio realmente respeitam os moradores dessa cidade eles devem vir a público e dar uma satisfação. Do contrário estarão contribuindo ainda mais para o descrédito – que já é grande – com o qual a população avalia a classe política.
Caso optem pelo silêncio no segredo dos seus gabinetes é possível que – à semelhança da fonte que apresentou as provas definitivas no caso Watergate – surja um “garganta profunda” que apresente as evidências ao conhecimento do público, para que as devidas responsabilidades sejam apuradas. Os moradores de Balneário Camboriú merecem mais respeito.
É isso que as melhores práticas de Compliance recomendam: transparência e rapidez no saneamento das condutas que mancham a classe política. Do contrário a malhação de judas continuará dando a última palavra.
*Robson Ramos é advogado, consultor na área de Compliance e Programas de Integridade. Membro da Academia de Letras de Balneário Camboriú e autor de 4 livros. Seu último livro – Cidadania Compartilhada, aborda temas relacionados com Compliance, Medidas Anticorrupção, Violência Doméstica e Direitos da Pessoa Idosa.