Por Robson Ramos e Pedro Gabriel Cardoso Passos
A julgar pelas conclusões de especialistas brasileiros e estrangeiros presentes no XVII Seminário Internacional Governança e Sustentabilidade, com o tema Desestatização, Autoridade Portuária e Relação Porto-Cidade, promovido pelo Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), que possui linha de pesquisa sobre a temática, que é referência internacional nos temas que afetam o Comércio Exterior e a sua logística marítima e portuária, realizado nos dias 26 a 28 de outubro, o município de Itajaí e região correm sérios riscos de sofrer reflexos negativos, no caso da Autoridade Portuária passar para o Setor Privado, vez que o Convênio de Delegação da União Federal ao Munícipio se encerra em 31 de dezembro de 2022.
As consequências serão sentidas aos poucos, no médio e longo prazo. No entanto, grande parcela da população da região no entorno de Itajaí, representantes da sociedade civil organizada, gestores públicos e privados, do setor turístico, construção civil – as pessoas em geral – em especial as mais vulneráveis, não têm a mínima ideia do que está por vir. E a responsabilidade será de quem?
Essa preocupação decorre da falta de esclarecimento da comunidade (entendendo-se “comunidade” como região mais ampliada – AMFRI) quanto a importância da relação “Porto – Cidade” e as questões inerentes à sustentabilidade que remetem aos impactos que a privatização da Autoridade Portuária trará no que diz respeito a aspectos logísticos, culturais, ambientais, de moradia, empregabilidade e dentre outros.
Afinal, é dever do poder público e da coletividade, defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado, “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida […] e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” nos termos do artigo 225 da Constituição Federal/1988.
Será que a coletividade está sendo devidamente informada dos impactos e danos que poderão ocorrer com a efetivação dessa mudança? O objetivo desse artigo é chamar a atenção para alguns aspectos relacionados com a relação Porto – Cidade e a Sustentabilidade. Diferentemente de outras localidades no Brasil e no mundo, o porto não foi instalado na cidade e sim a cidade que cresceu e se moldou ao porto, “incrustado como uma joia” entre o rio e a região central de Itajaí.
A cidade, cujo nome tem origem no Rio Itajaí-Açu, através do qual permite o transporte de cargas que representam mais de 60% da balança comercial de Santa Catarina e quase 4% do Brasil, desenvolveu-se em função do Rio e do Porto que hoje é o segundo maior porto do país e movimentação de contêineres e o maior exportador nacional de carne congelada. O Porto é a fonte de oxigênio da economia local, gerando empregos e profissionais qualificados e com uma rede de serviços com ramificações nas áreas de logística e comércio exterior, proporcionando riquezas e investimentos para toda a região, não apenas para Itajaí.
Trata-se de um universo de possibilidades e de desenvolvimento que remete a tudo o que é fundamental, nos termos do art. 225 da CF/88, que diz: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Por outro lado, a relação do porto com a cidade não pode ser resumida aos aspectos econômicos. Dentro da relação Porto-Cidade, existem também relação Porto-Sociedade, ou seja, a relação direta do porto com o cidadão que compartilha a cidade com o porto. Ao contrário da relação econômica, esta não é tão bem sucedida. Isto fica evidente pela ausência de programas de visitação, que visam aproximar a sociedade do dia a dia do porto. Sobre isso, é seguro dizer que a maioria dos munícipes nunca entraram no porto ou conhecem sua infraestrutura.
Para além disso, não é possível deixar de mencionar que esta segunda relação é diferente entre os bairros mais e menos desenvolvidos da cidade de Itajaí. Bairros como Centro, Fazenda, Fazendinha e Praia Brava dificilmente possuem caminhões circulando em suas ruas, estes transtornos ficam a cargo de moradores dos bairros Cidade Nova, São Vicente, Cordeiros e Santa Regina, bairros majoritariamente residenciais.
O fato de o porto estar localizado na região central da cidade, impõe que a circulação de caminhões containers carregados com toneladas de mercadorias circulem por vias que passam pelas regiões mais carentes da cidade, dificultando a vida do cidadão que precisa deslocar do bairro para o centro, fazendo com que as externalidades negativas de um porto sejam suportadas somente por uma parcela da população.
Outro fator a ser considerado quanto a necessidade de informação da população diante o processo de privatização da Autoridade Portuária, é a crença em que o setor privado poderá apresentar melhores resultados do que a administração realizada pelo setor público. Sentimento provocado pela sensação de má-gestão do dinheiro público, mas que não necessariamente é uma verdade, uma vez que a Autoridade Portuária de Itajaí é um case de sucesso em termos de gestão, e que deveria ser reproduzido para outros portos organizados, com os devidos ajustes.
Em se tratando de matéria de porto, a Europa caminha em sentido contrário, haja vista o processo de reestatização que está em andamento. No Brasil, estudos apontam que o mercado de movimentação de containers sem competição, como é o caso brasileiro, possuem um melhor custo benefício quando o investimento vem diretamente do governo, especialmente em projetos complexos de longa duração e de grandes investimentos.
O fato é que não há evidências empíricas de que o privatização da Autoridade Portuária poderá trazer resultados positivos ao porto de Itajaí, especialmente tendo em vista o seu alto desempenho no que tange aos índices econômicos apresentados e a sustentabilidade financeira e ambiental.
A partir disso, fica evidente a importância e urgência em ressignificar a relação “Porto-Cidade” para um olhar “Porto-Sociedade”, não observando apenas os índices econômicos e preterindo a comunidade e a vida das pessoas. Existe uma relação do porto com o próprio cidadão itajaiense que precisa ser mais praticada e valorizada, viabilizando meios e criando práticas pelas quais o cidadão e as famílias possam se aproximar do Porto e suas atividades, tomando o real conhecimento da grandeza, da contribuição e da influência para o desenvolvimento do município, oferta de emprego, lazer e cultura.
Com mais de 20 anos de municipalização, o porto está enraizado no cotidiano da coletividade, alcançando grandes recordes históricos em movimentação e sendo exemplo de sucesso no Brasil. Apesar do resultado positivo, e da retórica da Política Mais Brasil e Menos Brasília, o Governo Federal vai na contramão do que se faz há 800 anos em 90% dos portos do mundo, que são públicos, pois negou o pedido de prorrogação do convênio de delegação iniciando um processo de privatização.
A comunidade regional, através do Prefeito Volnei Morastoni e o Superintendente do Porto, Fábio da Veiga, com o apoio técnico da Univali, negociam a prorrogação do convênio de delegação por mais dois anos, especialmente diante do prazo exíguo para efetuar uma concorrência internacional no final do governo federal que termina.
O destino do porto pode estar sendo decidido por alguns poucos, sabe-se lá com quais interesses, enquanto parcela da população local e regional, que poderá sofrer consequências severas como resultado desse jogo político-jurídico, caso esse processo não seja revertido, segue desinformada e alheia ao que está por acontecer.
Sobre os autores:
Robson Ramos – Advogado, mestrando em Ciência Jurídica na UNIVALI em Itajaí, SC. Consultor na área de Compliance e Programas de Integridade. Autor de livros e membro da Academia de Letras de Balneário Camboriú. Atuou por mais de 20 anos nas áreas de gestão de pessoas e desenvolvimento organizacional, no Brasil e nos EUA.
Pedro Gabriel Cardoso Passos – Advogado especialista em Direito Previdenciário, mestrando em Ciência Jurídica na UNIVALI em Itajaí, SC. Assistente Editorial da Revista Científica Novos Estudos Jurídicos – NEJ