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O respirador e o mantra, por Robson Ramos

“Você quer medir um povo? Povo medíocre e fraco tem muitas leis. Povo inteligente tem poucas leis”. Cícero (106-43 A.C)

O leitor acredita que os responsáveis pelo caso dos respiradores em Santa Catarina serão responsabilizados e punidos exemplarmente, como deveriam?

Alguém foi punido por qualquer delito envolvendo gastos estratosféricos na reforma da ponte Hercílio Luz que durou quase 30 anos, até o seu término em 2019? (1)

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Em 2018, o MPSC requereu a devolução de R$ 233,67 milhões pela obra que não havia sido concluída, até então. Requereu de quem? Alguém devolveu? (2)

Quem não se lembra das obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas escandalosamente superfaturadas? Alguém mais fala sobre isso?

E o que dizer dos figurões envolvidos na roubalheira na Petrobrás, presos por algum tempo e logo soltos? Nem é preciso mencionar os nomes. O leitor mais bem informado sabe de cor e salteado. Estão agora em casa desfrutando do conforto e da vida boa graças à dinheirama surrupiada dos cofres públicos, protegidos por decisões das mais altas cortes desse país, com a devida vênia. Tudo dentro da lei.

Alguém mais foi implicado no caso da mala com 500 mil reais em flagrante filmado pela PF como parte da Operação Patmos?

E os 51 milhões encontrados no apartamento de um ex-ministro de governo? Logo-logo ele cumpre alguns anos em regime fechado e consegue uma progressão para o semiaberto e, não demora muito, a sonhada prisão domiciliar. É curioso que em nenhum momento foi perguntado se aquele dinheiro era só para ele e mais ninguém.

Parece que há um certo cuidado para que as peças do quebra-cabeça do esquema criminoso sejam mantidas espalhadas a fim de impedir a montagem do quadro.

A frase “tem-que-manter-isso-viu?” reverbera como a senha para a manutenção do status-quo vigente.

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O escândalo dos respiradores e tantos outros esquemas de corrupção relacionados à pandemia, pelo Brasil afora seguirão um rumo não muito diferente. É café-pequeno diante de tudo o mais que acontece.

Ainda que as autoridades competentes façam seu trabalho investigativo e haja um alarde todo no noticiário, quais as chances de isso tudo resultar em punições exemplares para os envolvidos?

Já vimos esse filme antes. Estamos acostumados a ver gente poderosa implicada em crimes do colarinho branco ser posta fora da cadeia após pouco tempo de prisão. Para esses sempre se dá um jeitinho. E logo vai para casa com uma tornozeleira eletrônica, “para-inglês-ver”. Óbvio.

Lamentavelmente não vemos um debate amplo e sério entre membros da classe política e do judiciário encarando de frente os efeitos da impunidade que grassa nesse país. São impermeáveis e parecem estar blindados.

Por alguma razão as “vossas excelências” que integram instâncias superiores de poder fazem de conta que não entendem que a impunidade endêmica e institucionalizada é a maior ameaça à Democracia e ao Estado Democrático de Direito.

Não passa pela cabeça dessa gente que os descalabros com o dinheiro público, na forma de polpudos salários, auxílios disso e daquilo, centenas de assessores e verbas milionárias para servir de forma extravagante suas mesas enquanto o povo sofre, é uma ameaça à democracia?

É estranho que a expressão – “ameaça ao Estado Democrático de Direito” só é invocada por figuras políticas e das altas cortes quando se veem criticados de forma mais contundente por alguns manifestantes, ou quando algum jornalista sofre algum tipo de ameaça na rua enquanto está fazendo seu trabalho (o que de fato é condenável e deve sofrer as sanções penais), e assim mesmo quando convém invocar esse mantra, usado como uma cortina de fumaça. Quando não convém ninguém dá a mínima.

Os mais pobres – a maior parte da população do país – podem estar morrendo nos corredores dos hospitais públicos (o que já ocorre há muitos anos diga-se de passagem), ativistas ambientais e jornalistas desconhecidos são assassinados nos rincões mais distantes do país, além do desemprego em massa.

No entanto, o mantra da tal “ameaça ao Estado Democrático de Direito” só aparece quando um figurão da elite política ou de alguma alta corte se vê ameaçado.

Está na hora do povo alçar sua voz e dizer em alto e bom som que os privilégios dessa corja estão com os dias contados. E que, também, quando legislam em favor de interesses espúrios deles próprios e de outros, eles se tornam “uma ameaça à Democracia e ao Estado Democrático de Direito.”

É preciso identificar o funcionamento do respirador que mantém a impunidade respirando. A partir disso será possível desmontá-lo e desativar não apenas sua capacidade de respirar como também de gerar filhotes.

Porém, não nos iludamos. Esse trabalho não será feito da noite para o dia. Mas poderemos nos surpreender se mobilizarmos as pessoas certas nos lugares certos. É preciso criar uma agenda de transparência nessas ações, e das quais o povo e líderes da sociedade civil organizada devem participar.

Ainda que em minoria o fato é que existem pessoas idôneas e sérias em todas as esferas de Poder, particularmente em Brasília. É lá que se encontra o respirador que mantém a impunidade viva.

O ponto de partida, a meu ver, é a mobilização de parlamentares e juristas, um grupo suprapartidário que se comprometa a apresentar alterações sobre os pontos da Constituição Federal, do Código Penal e do Processo Penal que permitem interpretações ambíguas, que, por sua vez, são usadas para legitimar a protelação dos julgamentos e manter soltos criminosos do colarinho branco.

Isso é possível de se realizar. Aqueles, em Brasília, que verdadeiramente trabalham para que o Brasil seja liberto do câncer da corrupção precisam se reunir, estabelecer essa agenda e trabalhar em equipe, ao invés de atuar isoladamente. Fundamental fazerem isso de forma transparente perante a população e a mídia séria.

O respirador que mantém a impunidade viva precisa ser desligado. O ponto de partida se inicia a partir do momento que direcionarmos o mantra para aqueles que são a verdadeira ameaça à Democracia e ao Estado Democrático de Direito.

De nada adianta termos tantas leis se, no final, os guardiães maiores da Lei conseguem – com o apoio de outras peças da engrenagem – dar um jeitinho.

Se não agirmos com inteligência e com uma estratégia que mobilize o povo estaremos dando razão a Cícero.

Notas

1 – Ponte Hercílio Luz, números de uma obra sem fim

2 – Devolução de milhões, obra não concluída

Robson Ramos é advogado e consultor em Implantação de Programas de Integridade e Compliance. Atuou por mais de 20 anos em multinacionais americanas, nas áreas de gestão de pessoas e desenvolvimento estratégico. Membro da Academia de Letras de BC e autor de vários livros e artigos para Portais online, incluindo o Jornal Página3. 
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