Dizemos que os rostos das gerações vindouras estão a olhar-nos de debaixo da terra. Portanto, quando pousares os pés no chão, pousa-os muito cuidadosamente ― porque são gerações a suceder-se uma após a outra. Se pensares nestes termos, então caminharás muito mais cuidadosamente, serás mais respeitador desta terra.
(Oren Lyons)
As palavras de Oren Lyons1 dizem muito sobre as alterações sistêmicas que afetam nosso planeta e que colocam em risco os atuais habitantes da Terra e as gerações futuras. Falo aqui não apenas dos seres humanos, mas, sim, de todos os organismos vivos cuja sobrevivência depende da forma como vivemos e nos movimentamos no mundo.
Na companhia de Cristiano Voitina, conheci muitos cenários de exuberante beleza e outros danificados pela exploração humana, mas nada se compara às imagens surreais de queimadas e derrubadas de florestas que vimos nos últimos quatro anos. Por todos os lados, vestígios da irresponsabilidade de governantes e pisadas humanas destruidoras. Cenas horríveis, como animais queimados fugindo do fogo e seu habitat devorado pelas chamas.
E muitas outras imagens nos deixam perplexos, como a de meninos, no Norte do Brasil, brincando de derrubar árvores com motosserras de plástico. Provavelmente, a eles não foi contada a história de heróis ambientalistas, como Chico Mendes, o seringueiro que travou uma luta incansável em defesa da Amazônia e dos povos que nela habitam, de José Corrêa, guardião da Reserva Biológica do Sassafrás, em Santa Catarina, e de tantas outras pessoas que heroicamente vêm lutando para garantir uma convivência harmônica e sustentável entre ser humano e natureza.
Somos todos passageiros de um trem desgovernado que engole florestas, cospe fogo, vomita fumaça tóxica e atropela toda espécie animal que se atreve a cruzar seu caminho. Seres aquáticos, terrestres e alados não escapam da fúria desse monstro de ferro que se move entre céu, mar e terra numa velocidade estonteante, atropelando vidas. O motor dessa locomotiva é alimentado pela busca de um desenvolvimento ilimitado, nos padrões de um capitalismo cego às suas consequências, que instiga o consumo desenfreado de recursos naturais.
No trajeto desse trem, enchentes e incêndios, avanço de garimpo ilegal em terras indígenas, desmatamentos para dar lugar ao agronegócio e invasão de áreas de conservação para delas extrair madeira acendem o sinal vermelho para os impactos humanos sobre o planeta. É preciso puxar os freios de emergência e pensar para onde queremos ir e onde estamos pisando.
Não há mais como fechar os olhos e ignorar os problemas que nos convocam a agir e a construir um caminho sustentável em direção ao futuro. Não há mais lugar para discursos negacionistas de pseudo-heróis que estimulam a desinformação como estratégia política e pretendem convencer-nos de que não há crise ambiental no país.
Precisamos enxergar a boniteza e compreender as singularidades do mundo natural que nos circunda porque, nós, seres humanos, fazemos parte dele. Vivemos em um lugar fantástico chamado Terra, mas não cuidamos dele nem respeitamos nossa própria casa planetária. Hoje, mais do que nunca, temos que ter consciência de que o bem-estar de todos os organismos vivos depende da forma como pisamos na Terra.
Precisamos trilhar caminhos que nos conduzam a uma relação dinâmica e equilibrada com a natureza. Precisamos pousar os pés no chão muito cuidadosamente… pisar com delicadeza na Terra.
1* Oren Lyons é ativista ambiental e defensor dos direitos humanos. É membro das nações Onondaga e Seneca da Confederação Iroquis no nordeste da América do Norte. Seus 40 anos de campanha na Organização nas Nações Unidas culminou na Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas em 2007.
Carla Cravo, bióloga, mestre em educação e especialista em gestão pública.