Robson Ramos
“Como não vi que isso poderia acontecer”?
Quem já não disse essa frase para si mesmo pelo menos uma vez na vida?
Certamente essa é a pergunta que está martelando a cabeça dos responsáveis diretos e indiretos pelo desabamento das sacadas num prédio em Itapema tirando a vida de dois trabalhadores.
Se havia irregularidades na estrutura dos andaimes que davam sustentação às sacadas que estavam sendo ampliadas é preciso perguntar quem tinha o dever de autorizar e fiscalizar o andamento daquelas obras.
Não é fato que toda obra precisa da aprovação de um órgão público competente, antes de poder ser iniciada? Isso foi feito? É aí que começa o jogo de empurra-empurra sem que alguém assuma a responsabilidade.
Lamentavelmente, o estrago – e que estrago – já está feito. Duas vidas se foram. Famílias consternadas de forma irreversível. Simplesmente porque aqueles que deveriam tomar decisões seguindo normas técnicas de segurança deixaram de fazê-lo, de maneira irresponsável.
O trágico resultado teria sido evitado se a construtora envolvida e os funcionários do órgão público responsável por essa área, tivessem um departamento de Avaliação de Riscos em condições de detectar erros e fraudes. As investigações – se feitas corretamente – deverão esclarecer onde e como esses erros ocorreram.
O imbróglio das compras superfaturadas de respiradores protagonizado por governos estaduais e prefeituras pelo Brasil afora não é diferente. Segue acontecendo porque faltam mecanismos de controle dentro da máquina administrativa checando tudo, particularmente as operações envolvendo gastos. A dispensa do processo licitatório em decorrência da pandemia não é desculpa para que haja essa farra com dinheiro público. Para isso existem normas que norteiam os procedimentos administrativos.
Daí a importância de um sistema de prevenção, detecção de fraudes e violação às leis, que visa a também desenvolver uma cultura de ética e integridade.
A valorização desses elementos no mundo empresarial surgiu com maior força a partir da edição da Lei 12.846/13, também chamada lei anticorrupção, a partir da qual programas de Integridade – também conhecidos como Compliance, passaram a ter maior destaque.
É bem verdade que essa lei ficou associada quase que exclusivamente ao combate à corrupção e, por isso, tenha permanecido distante do conhecimento do público.
No entanto seu alcance é muito maior e seria justo chamá-la de Lei das Empresas Limpas.
As organizações e empresas em geral verão os benefícios gerados pelo investimento numa nova cultura permeada por valores tais como integridade e transparência, essenciais aos programas de Compliance.
Essa palavra – Compliance – já disseminada no mundo corporativo e em programas de pós-graduação – vem do inglês “to comply”, que pode ser traduzido como “estar em conformidade”.
Uma empresa está em “compliance” à medida em que todos – desde a alta direção até colaboradores com funções mais simples – estejam adequados às normas internas, a um código de ética e às leis.
É um equívoco pensar que se trata de um sistema rígido de regras engessando o funcionamento de uma organização. É preciso entender que, acima de tudo, refere-se ao processo de implantação de uma cultura de ética e integridade no ambiente profissional, trazendo benefícios a todos.
Essa cultura passa a ser vivenciada no dia a dia trazendo ganhos para a organização como um todo e para os profissionais que nela atuam. São valores e princípios que servem de parâmetro para todos, direcionando a energia de forma positiva para o bem da coletividade. Cada um é responsável pelos seus atos assim como por zelar pelo o que acontece à sua volta.
Indivíduos éticos tendem a criar uma rede de relações profissionais e de amigos que pautam pela ética. “Apenas pessoas éticas têm amigos, os maus têm cúmplices”, segundo o humanista e filósofo francês Étienne de La Boétie.
O desenvolvimento de uma cultura de ética e integridade vai além da simples adequação a leis anticorrupção. As empresas devem estar comprometidas com uma visão partilhada por todos e promover mudanças sociais visando o bem comum. Afinal, só poderemos pensar em empresas saudáveis se houver uma coletividade saudável.
Quem não aderir a uma cultura que paute pela transparência certamente perderá espaço. É um caminho sem volta e a melhor escolha para as empresas e profissionais que desejam manter-se e destacar-se no mercado.
A palavra “prevenir” – do Latim “praevenire”, traz um conceito fundamental para a compreensão disso tudo. Ela significa “chegar antes.”
Se os responsáveis pela ampliação das sacadas que desabaram tivessem tomado os devidos cuidados, aquele triste acidente não teria acontecido e duas vidas não teriam sido levadas, com todas os reflexos familiares, jurídicos e patrimoniais dele decorrentes.
Os envolvidos na compra dos respiradores, que ainda está dando o que falar em Santa Catarina, muito possivelmente sabiam muito bem o que estavam fazendo e, mesmo assim, foram adiante. Aparentemente a ganância falou mais alto.
Quem se previne adequadamente tem condições de evitar que algo indesejável aconteça, para si e para outros.
O que se almeja é um mundo melhor, com mais responsabilidade, mais igualdade, menos fraudes e menos acidentes. O maior beneficiário é a sociedade como um todo.
Precisamos criar ambientes de trabalho onde cada profissional e cada colaborador esteja imbuído dessa missão, consciente de que cada um de nós tem um papel a desempenhar.
Normas de segurança e leis existem para evitar que descalabros com o dinheiro público continuem ocorrendo, para que a integridade das pessoas esteja protegida e a vida em sociedade seja mais harmoniosa.
Quem não chega antes faz mal feito.
Robson Ramos é advogado e consultor em Implantação de Programas de Integridade e Compliance. Atuou por mais de 20 anos em multinacionais americanas, nas áreas de gestão de pessoas e desenvolvimento estratégico. Membro da Academia de Letras de Balneário Camboriú, autor de vários livros e artigos para Portais online, incluindo o Jornal Página3.