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Violência doméstica, o mosquito e a miopia

Texto: Robson Ramos

O que o combate ao mosquito da dengue pode nos ensinar sobre o enfrentamento da violência doméstica?

Como é do conhecimento de todos o combate ao aedes aegypti inicia-se pela eliminação dos seus criadouros, seja em caixas d´água, latas, piscinas, garrafas e quaisquer recipientes que estejam armazenando água parada e sirvam de nascedouro das larvas de onde surge o famigerado mosquito, transmissor da dengue, da chikungunya, da zika e da febre amarela urbana. 

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Nas regiões mais afetadas os agentes de saúde saem pelas ruas pulverizando o inseticida por todos os cantos. Alertas são dados pela TV, rádio e internet, para que as pessoas se conscientizem da necessidade de eliminar os focos que possam existir nos quintais de suas casas, vasos com plantas, pneus jogados nos quintais e terrenos baldios. É guerra contra o mosquito e todos têm que fazer sua parte.  O único jeito de combater o agente transmissor é matando as larvas no ninho.

Quando o assunto é o combate à violência doméstica, que também mata, mutila, deixa sequelas para a vida toda, deixamos de fazer o que se faz no combate ao mosquito. Para muitos de nós a ficha ainda não caiu em relação ao fato de que o agressor de mulher começa a ser forjado dentro de casa, quando ele ainda é um garoto inocente. É lá, dentro de casa ou naquilo que se espera seja o seio familiar, um lar, que o menino vai sendo batizado numa visão de mundo e modo de ser machista. Isso porque a família, via de regra, reproduz os valores da sociedade, na forma como os meninos são tratados, diferentemente das meninas. Ou será que frases como essas abaixo apresentadas não tem uma relação direta com o ambiente familiar?

“Ter filha mulher é ser fornecedor.”

“Cala a boca mulher, você não sabe do que está falando.”

“Menina não precisa estudar. Só precisa casar.”

“Mulher minha não trabalha.”

É inegável que os órgãos competentes tem trazido resultados importantes, mas ainda é preciso desenvolver ações preventivas conjuntas e coordenadas, com a participação de especialistas de outras áreas de conhecimento e em parceria com a comunidade. Afinal de contas a sociedade tem uma parcela de responsabilidade nisso tudo. Por isso a importância de líderes comunitários, religiosos e associações de moradores, dentre outros, se conscientizarem de que precisam também exercer um protagonismo no combate à violência doméstica.

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Ainda que tenhamos leis, delegacias especializadas e excelentes estruturas de apoio para mulheres que sofrem abuso, a ausência de uma política e de ações preventivas mais amplas permitem que as larvas sociais e culturais das quais nascem os agressores continuem produzindo os indivíduos que estarão dando os passos iniciais em sua trajetória de agressor, via de regra estimulados pela sociedade e pelas instituições que funcionam a partir da lógica machista. É preciso promover ações efetivas de combate ao machismo no seu nascedouro. Na família e na sociedade. 

Mas para que isso aconteça é preciso que os vários atores nesse processo – autoridades do poder público, gestores do setor privado, educadores e integrantes da sociedade civil organizada – rompam com o padrão da mentalidade de silo e passem a conversar entre si.  Do contrário as providências continuarão sendo meramente reativas, ou seja, esperam uma ocorrência para então dar guarida e proteção jurídica para a mulher que acaba de sofrer abuso ou violência, sem que haja um esforço para identificar as causas e condições que levam à formação do agressor. Na prática, o que se constata é que por melhores e mais avançados que sejam os dispositivos Legais e os órgãos do judiciário em defesa da mulher, os agressores continuam não dando à mínima, humilhando, batendo, queimando, jogando ácido, esfaqueando, decepando mãos e braços. E matando.  Por que? Porque o DNA cultural e mental do agressor, que está dentro dele desde a infância é composto por uma irracionalidade compulsiva que, quando contestada de alguma forma, não se intimida diante do aparato judicial e policial. É preciso reconhecer que as relações sociais e humanas estão esgotadas, predominando a indiferença e o embrutecimento das relações no seio familiar, nas relações sociais e profissionais.  É o vai e vem de um processo pernicioso que se retroalimenta. 

Tomemos como exemplo um fenômeno lamentável que afeta diretamente a vida de mulheres de todas as idades no Vale Europeu, onde predominam empresas do ramo têxtil. Morei e trabalhei nessa região e ouvi de várias pessoas que trabalham em confecções – aliás, a grande maioria dos funcionários é composta por mulheres – que normalmente tem que se submeter a um tratamento aviltante por parte dos chefes e patrões, tendo que produzir um número absurdo de peças em períodos de tempo relativamente curtos. A qualquer sinal de reclamação surge a ameaça de demissão. E ser demitida significa ficar mal falada na comunidade e com poucas chances de conseguir uma nova colocação.

Embora essa situação seja do conhecimento de todos na região, ninguém se manifesta – muito menos os maridos e pais – contra o tratamento humilhante ao qual as mulheres da comunidade são submetidas nas suas relações de trabalho, particularmente nesse ramo. É como se a mulher integrasse uma casta à qual não é permitido reivindicar um tratamento digno e respeitoso. Infelizmente os agentes públicos, líderes comunitários, políticos, pastores, padres e outros nada fazem para mudar essa situação. Será que é apenas uma questão de conveniência ou a comunidade tem dificuldade para enxergar isso?

De onde vem essa nossa miopia? Ela é resultante da convergência de vários fatores. Um deles é a mentalidade de silo impregnada na forma como os gestores de órgãos públicos e privados, de empresas, de organizações, educadores, líderes comunitários e religiosos interagem entre si.  Na realidade raramente buscam interagir. Estão todos lidando com problemas comuns mas não buscam trocar experiências e aprender uns com os outros. Silos são aquelas estruturas cilíndricas enormes utilizadas para armazenar produtos agrícolas. Essa analogia com os silos surgiu a partir das mudanças de paradigmas de gestão corporativa rompendo com modelos administrativos ultrapassados, que não valorizavam a troca de conhecimento, de dados e de informações.

Digno de nota, nesse contexto, é a informação trazida pela Procuradora-Geral do Ministério Público de Contas (MPC) de Santa Catarina, Dra. Cibelly Farias ao citar estudos recentes do Tribunal de Contas, que apurou que entre 2011 e 2018 o custo dos feminicídios aos cofres públicos de Santa Catarina, foi de R$ 424 milhões. Os gastos envolvem campanhas de prevenção, investigação e serviços prestados às vítimas e seus familiares. Nas palavras da Procuradora: “Quando a gente analisa isso, percebe que o Estado está gastando muito com um problema que já poderia ter sido evitado. Possivelmente, se uma parcela desse custo fosse usada para a prevenção, já traria um resultado muito melhor na redução do índice de violência contra a mulher” (1).

 O que pode ser feito? Em primeiro lugar, podemos formar equipes multidisciplinares, em vários níveis, para estudar o assunto e criar estratégias de alcance e apoio às famílias. Dentre outras coisas podemos desenvolver cartilhas com orientações sobre como as relações interpessoais no âmbito doméstico e na sociedade, devem ser pautadas pelo respeito e atenção para com as necessidades uns dos outros, sobre a igualdade nas relações de trabalho, educação com oportunidades iguais para meninos e meninas, homens e mulheres, sobre a importância dos vínculos familiares no desenvolvimento da personalidade dos filhos. Profissionais de várias áreas, atuando em equipe, poderiam desenvolver conteúdos magníficos a serem implementados e aperfeiçoados.

Ainda sob uma perspectiva preventiva, palestras podem ser oferecidas nas escolas públicas e privadas, voltadas aos alunos do nível médio.  Profissionais de várias áreas devidamente qualificados, apresentariam informações sobre os danos emocionais, psicológicos e, obviamente, as implicações e consequências da violência doméstica.

Ao mesmo tempo podem ser criados grupos de apoio aos homens que demonstrem uma propensão a agir de forma despeitosa ou violenta em relação a alguém do sexo oposto e que espontaneamente busquem ajuda. Esses grupos seriam conduzidos por profissionais igualmente qualificados e a partir de uma perspectiva restauradora de valores e da autoestima das pessoas. Enquanto nos omitimos da responsabilidade de agir de forma inteligente e ficamos esperando passivamente a próxima vítima, os nascedouros de indivíduos com o perfil de agressor continuarão intocados. 

Imagine o leitor se, no caso do combate ao mosquito, não houvesse o combate incansável dos agentes de saúde e da população aos focos das larvas do mosquito. De pouco adiantaria a existência de hospitais, medicamentos adequados e profissionais bem treinados, já que os mosquitos continuariam se proliferando e picando todo mundo. Se quisermos ver os índices de violência doméstica diminuindo no médio e longo prazos, precisamos acabar com a mentalidade de silo, com nossa miopia e aprender com o combate ao mosquito da dengue.

(1) http://agenciaal.alesc.sc.gov.br/index.php/noticia_single/feminicidios-custaram-r-424-milhoes-para-santa-catarina-entre-2011-e-2018

Sobre o autor:

Robson Ramos é advogado, consultor e mediador visando a solução de conflitos familiares. Membro da Academia de Letras de Balneário Camboriú e autor da obra: O Idoso do Plaza: crônicas para saber envelhecer! Foi residente do Conselho Municipal em nossa cidade, de 2009 a 2011. Reside em Balneário Camboriú, SC.

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