Desde o início do ano, a situação dos catadores de recicláveis em Balneário Camboriú vem sendo discutida, por conta de um decreto que na teoria proíbe o trabalho deles (relembre aqui), inclusive com reunião pública e debates na Câmara de Vereadores.
Diante da continuidade do decreto, que mesmo após solicitações dos catadores para ele ser revogado não ocorreu, os vereadores André Meirinho (Progressistas), Eduardo Zanatta (PT), Juliana Pavan (PSDB), Patrick Machado (PDT), Nilson Probst (MDB) e Elizeu Pereira (MDB) protocolaram nesta semana uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), contra o decreto do executivo 10.578 de 2021, que proíbe os catadores de materiais recicláveis de exercerem o seu trabalho em Balneário Camboriú.
O Página 3 ouviu os vereadores, o advogado deles, Giovan Nardelli, e uma representante dos catadores.
Acompanhe.
Entenda a situação
Segundo o documento, que foi entregue ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina pelo advogado Dr. Giovan Nardelli, há inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei nº 4.438, de 14 de agosto de 2020, e dos artigos 3º e 4º do Decreto nº 10.578, de 21 de outubro de 2021, além de entrarem em conflito com a Lei Municipal nº 2.802/2008, que regulamenta a atividade de circulação de carrinhos dos catadores.
Entre os pedidos feitos pelos vereadores ao TJSC, está a suspensão imediata do decreto, antes mesmo da decisão final do tribunal, garantindo a esses trabalhadores a segurança para exercerem os seus trabalhos.
Vereadores falam sobre a Ação de Inconstitucionalidade Crueldade, irresponsabilidade e injustiça
“Nem mesmo uma lei poderia tirar o direito de um cidadão trabalhar”

André Meirinho
“A ação é importante para garantir aos catadores de materiais recicláveis o seu direito ao trabalho. A legislação federal há muitos anos já reconhece a profissão de catador. Neste momento de dificuldade social e econômica, simplesmente proibir o trabalho dessas pessoas é um ato de crueldade, irresponsabilidade e de injustiça. Esperamos que o TJSC corrija isso.
Quando recebemos apelo dos catadores referente ao Decreto nº 10.578/2021, emitido pelo Prefeito, que proibiu o trabalho deles e ainda criou multa para os profissionais que continuassem realizando sua profissão, procuramos dialogar com a Prefeitura para reverter a situação.
Realizamos inúmeras tentativas de diálogo com diversos setores do governo para organizar e regulamentar o trabalho dos catadores, mas pouca coisa mudou.
Proibições e a criação de multa não podem ser realizadas por Decreto, somente por Lei. O Art. 5º, inciso II, da Constituição Federal estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de LEI”.
Além disso, o Decreto do Prefeito desrespeita o direito ao trabalho e prejudica a ordem econômica e social, defendidos pela Constituição.
Nem mesmo uma lei poderia tirar o direito de um cidadão trabalhar, pois seria inconstitucional.
Tendo em vista a inconstitucionalidade do ato do Prefeito, tentamos sustar os efeitos do Decreto por meio de um Decreto Legislativo que poderia ser aprovado pela Câmara de Vereadores.
Os seis vereadores que hoje assinam a ação são os que apoiavam essa medida. Contudo, a base do governo, composta pela maioria dos vereadores, realiza manobras para segurar a tramitação deste projeto. A única alternativa que restou aos 6 Vereadores foi tentar, por meio do Poder Judiciário, corrigir o ato inconstitucional do Prefeito, retirando a validade do Decreto e dando mais segurança jurídica aos trabalhadores que coletam materiais recicláveis. Esperamos que o mais breve possível isso se resolva, para o bem das famílias que dependem deste trabalho para o seu sustento”.
“Não podemos continuar penalizando os catadores”

Eduardo Zanatta
“Nós tentamos inúmeras tratativas com o poder público, seja conversando com a Secretária do Meio Ambiente para entender e tentar melhorar o decreto, mas ela se mostrou irredutível.
Fizemos uma tentativa de sustar os efeitos através de um decreto legislativo, mas que até agora não foi encaminhado para votação na Câmara.
Dessa forma, o Poder Judiciário ficou como última medida para garantir o direito dos trabalhadores que vivem da coleta de recicláveis.
Não podemos continuar penalizando os catadores e as catadoras, que retiram o sustento de suas famílias através da coleta de material reciclável.
Acreditamos que esse decreto esteja ferindo a constituição, de encontro ao direito de trabalho do cidadão que é fundamental para garantir uma vida digna, além de não cumprir a Política Nacional de Resíduos Sólidos por isso que a suspensão do decreto pela Justiça estadual é urgente”.
“Suspensão imediata do decreto e de seus efeitos”

Juliana Pavan
“A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi proposta na tentativa de barrar judicialmente o decreto do executivo 10.578 de 2021, que proíbe os catadores de materiais recicláveis de exercerem o seu trabalho aqui em BC. Através da ADI estamos solicitando a suspensão imediata do decreto e de seus efeitos, para garantir a esses trabalhadores segurança para exercerem o seu trabalho.
Buscamos a consolidação das leis sobre o tema para gerar e segurança jurídica para todos os trabalhadores”.
“Exige bom senso do Poder Executivo”

Patrick Machado
“A importância da Ação é a tentativa de derrubar esse decreto do prefeito, até para a gente poder dar para esses trabalhadores, que são os catadores de recicláveis, a chance de poderem recomeçar uma negociação com o Poder Executivo, que é um trabalho honesto e que faz um bem para a cidade inteira, porque ajuda na questão da limpeza e sustentabilidade.
Infelizmente estão sendo colocados como pessoas que roubam e fazem coisas ruins, e não é o caso desses trabalhadores, pais e mães de família, que passam o dia na rua, embaixo de sol e chuva, buscando um maior número de reciclados para vender e poder levar o dinheirinho para levar para casa.
Exige bom senso do Poder Executivo saber separar o joio do trigo. Batalhamos por cadastro, uniformização, e também fiscalização após isso, mas que os catadores tenham oportunidade de continuar a trabalhar. Tem alguns que aceitariam trabalhar em cooperativa e outros não, e a prefeitura também precisa respeitar isso e não obrigar a ter a cooperativa ou associação.
Estamos com muito orgulho com essa Ação para mostrar que o poder público está agindo de forma errada, e queremos recomeçar, para que essas pessoas tenham chance de trabalhar. Continuaremos nessa luta”.
“Totalmente irregular”

Nilson Probst
“Entramos com essa Ação porque achamos que é uma injustiça o que estão fazendo com os trabalhadores que sustentam suas famílias atuando como catadores. Esse decreto que fizeram, eles (a prefeitura) deixam trabalhar só quem eles querem. Fazem da maneira que querem e impedem o trabalho.
Tentamos fazer a alteração do decreto na Câmara, não conseguimos, e entramos com essa ação na Justiça e tenho certeza do ganho, do nosso êxito, porque isso está totalmente irregular”.
“Que seja feita a justiça com esses trabalhadores”

Elizeu Pereira
“O nosso entendimento é de que achamos uma falta de respeito com aqueles que fazem um trabalho valoroso de reciclagem. Fizemos várias tentativas de reuniões com prefeito e Procuradoria, e não tiveram o devido respeito na revogação do decreto. Sendo assim, uma obrigação nossa é entrar com essa representação para que seja feita a justiça com esses trabalhadores”.
Advogado que entrou com a ação também opina

Giovan Nardelli, advogado (OAB/SC 21.894)
“Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade promovida pelos vereadores seis vereadores, que utilizaram de suas prerrogativas como vereadores, ao cumprir o requisito do art. 85, inc. VII da Constituição do Estado de Santa Catarina, que permite a um quarto dos Vereadores impugnarem lei municipal que viole a Constituição. Desta forma, a demanda foi autuada perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, sob nº 50471888920228240000, e distribuída para o Desembargador Ricardo Fontes.
Os Vereadores subscritores da demanda pediram ao TJSC que decrete a inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei nº 4.438, de 14 de agosto de 2020, e dos artigos 3º e 4º do Decreto nº 10.578, de 21 de outubro de 2021, que proíbe a coleta e o transporte de materiais recicláveis quando não for realizada exclusivamente pela concessionária contratada pelo Município.
Foi invocado ao Tribunal a aplicação da Constituição, que considera o trabalho como um direito social, bem como existente violação sobre a Ordem Econômica e Financeira e invasão dos primados da Ordem Social, especialmente com o objetivo da justiça social.
A profissão de catador de material reciclável foi reconhecida na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) pela Portaria nº 397, de 9 de outubro de 2002, do Ministério do Trabalho, sob o Código nº 5.192-05, onde qualquer indivíduo possa ter o direito de exercer o trabalho de catador de materiais recicláveis, enquadrado na Lei Federal nº 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Foi pedida a intervenção do TJSC, a fim de determinar ao Prefeito de Balneário Camboriú que execute o incentivo, proteção e priorização dos catadores de materiais recicláveis na coleta dos resíduos sólidos, nos termos da já existente Lei Municipal nº 2.802, de 6 de março de 2008”.
“Uma enorme falta de respeito com o cidadão de bem que apenas quer trabalhar”
Renata Michele Ferreira, catadora e representante da classe
“Primeiramente gostaria de agradecer e parabenizar aos vereadores que votaram na ação de inconstitucionalidade. Tiveram uma linda atitude de respeito e carinho conosco.
A partir do momento que um decreto impõe algo que torna prejudicial à determinado grupo da sociedade, vai contra a própria lei orgânica do município.
Um cidadão não pode e nem deve ter retirado o seu direito de ir e vir, assim como sua própria decisão em qual ramo vai exercer sua função profissional.
Dizer que catadores de materiais recicláveis são usuários de drogas é, além de preconceituoso, uma enorme falta de respeito com o cidadão de bem que apenas quer trabalhar. Proibir ou até criar situações que o façam deixar de exercer sua função é inconstitucional e de fato nós catadores temos o direito de trabalhar da forma que achamos melhor, afinal temos o direito de ir e vir dentro de uma sociedade assim como qualquer outro cidadão. Temos os mesmos direitos”.