A Sala Lilás, um espaço para mulheres vítimas de violência denunciar seus agressores, será inaugurada nesta quinta-feira (28), às 10h, na Central de Plantão Policial (CPP) da Polícia Civil de Balneário Camboriú, na Rua Inglaterra, no Bairro das Nações.
Acolhimento é prioridade
O delegado regional de Balneário Camboriú, Giancarlo Rossini, explica que a CPP é uma unidade de muitos atendimentos diários, onde são encaminhados os casos de flagrante – a pessoa pode ir lá direto denunciar ou também pode ser encaminhada à CPP pela Polícia Militar e Guarda Municipal, por exemplo.
“As vítimas de violência doméstica careciam de um local onde elas pudessem ficar isoladas e se sentirem acolhidas. Antigamente, a entrada era unicamente pela lateral, então entrava por ali vítima e autor, e às vezes a vítima ficava exposta aos familiares do conduzido [agressor] e aconteciam situações bem vexatórias. Agora, a mulher tem um espaço só para ela, onde se sente bem”, afirma.
Segundo Gian, a Sala Lilás é uma ‘extensão’ da DPCAMI da cidade, que é muito elogiada, e a CPP era, antes da nova Sala, ‘totalmente desestruturada’ quando comparada à Delegacia da Mulher, que é referência em Santa Catarina.
“Estamos conseguindo proporcionar uma Sala Lilás de acordo com o glamour que a cidade tem. Atendemos não somente os moradores, mas o turista também. Há muitos casos de atendimento de homem que agride a mulher no hotel, por exemplo, e essas vítimas também são atendidas, sem importar se aqui mora ou se está só de passagem”, diz.
A primeira de Balneário
A delegada responsável pela Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (DPCAMI) de Balneário Camboriú, Ruth Henn, explica que a Sala Lilás da CPP é a primeira da cidade.
“Na DPCAMI temos um espaço, mas não é Sala Lilás, porque não há necessidade, falamos sempre que a CPP seria como ‘o Pronto Socorro’ e a DPCAMI é o local ‘especializado na saúde da mulher’. Essa Sala Lilás é uma política de estado, porque não temos condição de ter a DPCAMI aberta 24h por falta de efetivo, dentre outros fatores”, diz, citando que, no atendimento na CPP, onde as mulheres vão em momento de flagrante, normalmente ficam no mesmo espaço que o agressor ou que a família dele.
“É um momento complicado porque às vezes a mulher sai com os filhos e só com a roupa do corpo, chega na delegacia e ainda tem que ver o agressor, que muitas vezes fica xingando, e na Sala Lilás ela encontra esse espaço onde se sente acolhida. Aqui também pode ficar sabendo de outros programas, como Casa das Anas e Abraço à Mulher, porque muitas vezes não tem como voltar para casa”, acrescenta.
Na Sala Lilás a mulher será acolhida pelo delegado(a) plantonista e poderá tomar banho (inclusive há kits de cosméticos montados para as vítimas) e até trocar de roupa.
Apoio&Parcerias
A Sala foi montada com apoio de entidades da cidade, como Rotary, OAB, Maçonaria e Lions, e também foi pensada nos filhos das vítimas, onde há brinquedos, TV e internet.
O foco é que a mulher se sinta em uma casa, onde poderá ser ‘abraçada’.
“É um marco para a cidade e conquistamos com o apoio da sociedade civil organizada, que percebeu os problemas que enfrentávamos com a falta de estrutura e nos apoiaram. Se fôssemos fazer algo assim, seria muito mais demorado, porque precisaríamos de verba, abrir licitação… depende de vários entraves, e com a parceria da sociedade privada, conseguimos conquistar esse espaço diferenciado”, afirma.
Casos aumentando: neste ano a DPCAMI atendeu mais de 600 inquéritos, 90% de violência doméstica
O delegado Igor Siqueira de Araújo, que também atua na DPCAMI, diz que, após o procedimento da CPP, a mulher será encaminhada para a DPCAMI, onde poderá ser atendida por psicólogo da OAB Por Elas (que faz a parte civil, apoiando juridicamente as vítimas, com guarda dos filhos, pensão, etc.).
“Na CPP é o momento de urgência, os outros trâmites são feitos na Delegacia da Mulher”, pontua.
Igor aproveita para falar também sobre a importância de delegados e policiais homens atuarem junto ao atendimento de casos de violência doméstica, inclusive para tomar o depoimento do agressor.
“Trabalhamos com as dores da alma. Há mulheres que pedem medida protetiva, mas acabam voltando com o agressor… tratamos de sentimento, é diferente, por exemplo, de um furto, onde a pessoa pode comprar um celular novo, por exemplo. Mas tratamos de algo maior – às vezes a vítima se culpa, fala dos filhos, acabam voltando atrás, não necessariamente por questão financeira, a maioria delas trabalha, voltam por gostar do marido e também pelos filhos”, comenta.
Igor acrescenta que, antes de trabalhar na DPCAMI de Balneário (onde está há seis meses), tinha a visão de que os casos de violência doméstica não estavam aumentando e o que estava acontecendo era que mais vítimas estavam denunciando os casos, que até então eram cifras negras (casos não denunciados).
“Mas neste ano foi um marco em SC porque conseguimos reduzir todos os crimes, com exceção de feminicídio, que é um delito que a vítima não tem tempo de denunciar e tem aumentado. Então, chegamos à conclusão de que, de fato, a violência contra a mulher aumentou, sim. Inclusive foi por esse motivo que estamos repensando o atendimento às vítimas, implantando a Sala Lilás. Vemos que só a cadeia não resolve o problema, e temos que trabalhar na educação, com palestras nas escolas, repassando o que é violência, o que pode ou não em um relacionamento, e as crianças contam o que acontece em casa”, acrescenta.
O delegado disse que também possuem um jogo de tabuleiro que é utilizado junto dos estudantes, o ‘Maria no jogo: saindo do ciclo de violência’, que tem objetivo de ser facilitador e ensinar sobre situações que são ou não violência doméstica e como sair do ciclo se forem vítimas, bem como o que é a Lei Maria da Penha e a importância da denúncia.
Até o momento, são mais de 600 inquéritos instaurados pela Polícia Civil de Balneário Camboriú na DPCAMI – dados somente deste ano, sendo que 90% dos casos envolvem mulheres (os outros as vítimas são crianças, adolescentes e idosos), e os delegados apontam que o número tende a crescer todos os anos, algo que de fato percebem.
Hoje, a DPCAMI não trata de conduções e casos flagranciais (todos os presos são encaminhados à CPP e a DPCAMI apenas investiga e atende as vítimas (com psicólogo inclusive), dando o atendimento especializado, coletando depoimento dos envolvidos em vídeo – uma novidade). Após a mudança na DPCAMI (sem ter no local presos e casos flagrantes) houve aumento na produção e no trabalho, já que os policiais conseguiram focar melhor nas vítimas e atendimentos, potencializando os trabalhos e já sendo referência para o Estado.
Agressores também são assistidos
A DPCAMI também iniciou o ciclo de conversas (grupos de reflexão), comandados por psicólogos, com agressores. Segundo os delegados, o projeto iniciou em agosto e a perspectiva é que consigam colher bons frutos e conscientizar sobre violência doméstica.
Sem poder dar muitos detalhes, os delegados anteciparam ao Página 3 somente que no começo os agressores estavam em negação, sobre não terem agredido as companheiras, mas que com o passar do tempo estão compreendendo e repensando os atos, focando que de fato nada justifica a violência.
“Percebemos também que as vítimas estão cada vez mais jovens, e que estão denunciando. Já aconteceu de, no primeiro relacionamento que está tendo, a jovem ser agredida. E é importante que não se calem, que as mulheres denunciem, saibam como pedir ajuda e que Balneário Camboriú possui uma rede de apoio”, pontua a delegada Ruth.
Crimes online também são comuns
A delegada Ruth cita também que chegam até a CPP e DPCAMI denúncias que não configuram crime, como alienação parental, mas que todas as denúncias que chegam são apuradas. Ela conta que, em tempos de internet, há muitos casos envolvendo situações online, como vazamento de fotos e vídeos íntimos (extorsão ou ameaça).
O delegado regional, Giancarlo, comenta que sempre orientam as mulheres para cuidar com o que vão enviar e que não se deixem ser gravadas ou fotografadas no início de relacionamento, sem nem conhecer direito a pessoa com quem está se relacionando.
“Normalmente as fotos que vazam são feitas com consentimento da pessoa. É raro a pessoa esconder uma câmera, estar oculto, normalmente a pessoa consente. Lembrando que não é crime ter a imagem, se a pessoa consentiu, e sim expor, vazar para outra pessoa, sem o consentimento de quem está nas imagens”, afirma.