Em pouco mais de um mês, aconteceram duas decisões que afetam toda a sociedade, mas principalmente a população LGBTQIA+, ainda muito marginalizada.
A primeira dessas decisões ocorreu no início de dezembro, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a lei que proíbe o uso da linguagem neutra na grade curricular e no material didático de instituições de ensino públicas ou privadas de Balneário Camboriú.
A segunda, no início de janeiro, quando a Meta, empresa que controla as redes sociais (Facebook, Instagram e Whatsapp) anunciou novas regras de moderação do conteúdo, afetando toda sociedade, mas principalmente imigrantes, mulheres e a população LGBTQIA+, os grupos que mais sofrem ataques de ódio nas redes sociais.
Decisão local
A decisão específica para Balneário Camboriú aconteceu em sessões do Plenário Virtual de 29 de novembro a 6 de dezembro, atendendo Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ajuizada pela Aliança Nacional LGBTI+ (Aliança) e pela Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH) contra a lei municipal nº 4.797, de 4 de outubro de 2023, oriunda de projeto do vereador Kaká Fernandes, que gerou polêmica e foi aprovada pela Câmara, com apenas dois votos contrários: Patrick Machado e Eduardo Zanatta.
O ministro Dias Toffoli justificou na decisão que a utilização da linguagem neutra deve ser uma escolha pessoal de cada pessoa, protegida pelo direito fundamental à liberdade de expressão. Toffoli também acrescentou que as escolas devem combater as discriminações de gênero, machistas e homotransfóbicas.
Decisão global
As mudanças anunciadas pela Meta que reabrem espaço para o discurso de ódio, disfarçado de ‘liberdade de expressão’, foram criticadas um dia depois pelo ministro Alexandre de Moraes que voltou a lembrar que o Brasil tem lei e que as empresas que quiserem operar no País terão de seguir o que diz essa lei.
A repercussão local
Nesta reportagem, o jornal Página 3 repercutiu as duas decisões. Acompanhe:

Eduardo Zanatta, vereador reeleito para o segundo mandato. No primeiro mandato, votou contra o projeto em questão
“Votei contra com total convicção no primeiro ano do mandato porque: primeiro, o parecer do jurídico da Casa na época era bem claro, dizia que mexer na estrutura do material pedagógico ou da educação era competência da União e não do município e também deveria ser discutido com o Conselho Municipal da Educação, o que não aconteceu.
Mas principalmente, o segundo ponto que levanto, é que a linguagem neutra ou a linguagem inclusiva como a gente quer chamar, é porque o idioma é algo que está em transformação, acompanha a evolução da sociedade e principalmente nesse caso, para o portugues poder abranger uma parcela que é invisibilizada da nossa população ou que não se sente parte ou representada dentro do ambiente educacional nesse caso, a gente precisa debater, criar mecanismos de discussão com a comunidade com diversas realidades.
A sociedade está sempre em transformação e tem discursos conservadores que acham que as coisas são fixas e aí a gente não pode debater educação ou resumir ela a esses discursos pequenos e mesquinhos de alguns que não reconhecem os direitos de toda a população”.
“O fim da checagem de fatos por parte da Meta mostra que eles pretendem trabalhar com representantes da extrema direita internacional, o que fragiliza principalmente grupos marginalizados na sociedade, que são prejudicados com mentiras e desinformação nas redes sociais. É necessário ter compromisso principalmente de grandes grupos multinacionais (big techs) como esse que a legislação dos países e os direitos humanos precisam ser respeitados. Não é porque é uma grande corporação que pode fazer o que quiser num país como o Brasil que não vai estar sujeito à nossa legislação ou mesmo na Europa, que a legislação também foi criticada. Lucrar em cima da vida das pessoas é um retrocesso gravíssimo”.

Benjamin Rubio Senes, homem trans, atua como psicólogo na Assistência Social de Balneário Camboriú
“Começo falando de violência porque, a luta por mais igualdade acontece diariamente na vida de pessoas LGBTQIAPN+, como eu, de modo involuntário. Lutamos por igualdade quando ocupamos um espaço, quando resistimos à preconceitos, ou como disse uma vez a deputada Erika Hilton, “quando ousamos sair do espaço marginalizado que nos foi reservado”.
Mas infelizmente, não lutamos “apenas” contra uma estrutura patriarcal e heteronormativa, que impõe um jeito de ser e viver como “correto”. É muito importante identificarmos contra quem estamos lutando. A meu ver, lutamos não apenas contra o conservadorismo extremo e religiosos fanáticos que insistem em pautar a agenda política do país com base em sua religião, embora o Estado seja laico. Mas lutamos também contra aqueles que têm medo da mudança, que têm preconceito com o diferente, com o novo e que se deixam levar pelo ódio que os primeiros propagam. E o combate ao preconceito é feito com informação.
Mas ficamos desarmados quando as informações – que deveriam oportunizar conhecimento – são passíveis de fraude numa terra de ninguém chamada internet. Mamadeiras em formato de órgão sexual e ditadura gay são exemplos de fake news espalhadas em massa com o objetivo de causar um pânico moral na população. Por outro lado, situações de LGBTfobia (e outros preconceitos) são um tipo de violência que precisa ser, antes e tudo, legitimada. O indivíduo que se atreve a ofender minorias não se preocupa, na maior parte das vezes, que está cometendo um crime. Algumas vezes, ele acredita realmente se tratar da sua opinião, convicção política ou fé.
A nova política da Meta simplesmente autoriza que crimes sejam cometidos. Lembremos que injúria racial passou a ser crime apenas em janeiro de 2023 e homofobia passou a ser equiparada a ela em agosto do mesmo ano. Como uma política pública de Direitos Humanos, essa legislação ainda é frágil e tem falhas, não é perfeita. A própria Lei Maria da Penha, que é de 2006, ainda apresenta fragilidades em proteger sua minoria. Mas milionários como Zuckerberg não precisam se preocupar com a legislação brasileira nem com os Direitos Humanos do povo brasileiro.
Agora, além do cenário ser claramente de desigualdade, considerando que o conceito de minoria é justamente um grupo de pessoas que (mesmo que em número, seja maioria) é marginalizado por motivos de classe social, gênero, etc., não à toa, o Brasil ser o país que mais mata pessoas trans e travestis, o conservadorismo ataca também nossa principal arma: o conhecimento. Um exemplo disso é a tentativa de proibir o uso da linguagem neutra nas escolas. A linguagem é modificada com o tempo, alguns professores de língua portuguesa defendem que é similar ao uso de variações regionais e gírias, por exemplo. São criados termos novos de acordo com a necessidade, há vinte anos atrás a palavra “uberização” não existia.
O mesmo se dá com gênero neutro, essas pessoas sempre existiram, mas na atualidade elas têm espaço para se manifestar e, antes disso, se questionar. Gênero é uma construção social, o que significa que ser homem hoje no Brasil é muito diferente do homem da Grécia Antiga, por exemplo. Se identificar ou não com o sexo biológico é uma questão de identidade do sujeito, a disforia de gênero, que é a angústia e sofrimento psicológico causado por esta não identificação com o sexo biológico ocorre por conta dos tabus sociais e preconceitos enfrentados pelo próprio sujeito (ele aprende a se odiar por ser quem é).
Ou seja, se pudéssemos fazer uma analogia, as teorias mais recentes da deficiência – que pauta inclusive o Estatuto da Pessoa com Deficiência – defende que a deficiência não é do sujeito e sim do ambiente que não lhe comporta. Nesta lógica, se existe uma questão de saúde mental, é uma questão social e não individual. Ou seja, a forma que a sociedade se estruturou para não comportar pessoas diferentes do “normativo” é que é o grande problema. Para quem se interessa, Freud em 1935 escreveu: Carta a mãe preocupada com a homossexualidade do filho, explicando não se tratar de uma doença.
Neste sentido, mais que um ataque à legislação brasileira, às populações minoritárias, ao próprio sistema de Educação… O que vejo é um pequeno avanço de políticas de Direitos Humanos e ataques de uma onda conservadora. Violentam, fragilizam e depois tiram direitos. Mas aprendi que, quando as pessoas vivenciam uma violência elas ficam fragilizadas e precisam de uma ajuda externa. No entanto, depois que se levantam, aprendem a requerer seus direitos e reconhecer violências. E o fato de já existir uma lei significa que uma boa parte dessa minoria já percebeu a violência, isso me acalenta porque não seremos facilmente silenciados”.

Gabriely Melnick, 28 anos, mulher trans, trabalha como recepcionista
“A decisão da Meta de descontinuar ferramentas de checagem de fatos é alarmante, especialmente considerando o impacto das redes sociais no cotidiano de milhões de pessoas. A ausência desses mecanismos pode facilitar a propagação de desinformação e conteúdos que atacam diretamente minorias, incluindo a população LGBTQIA+. Isso cria um ambiente virtual que pode ser prejudicial não apenas para os indivíduos, mas para a sociedade como um todo, comprometendo valores democráticos e os direitos fundamentais.
É essencial que avancemos em uma regulamentação mais rigorosa das redes sociais, de forma a garantir que essas plataformas sejam espaços mais seguros e éticos, combatendo crimes de ódio, fraudes e fake News.
O equilíbrio entre liberdade de expressão e proteção de direitos é desafiador, mas não podemos permitir que a desinformação ou o discurso de ódio prevaleçam em espaços tão influentes.
Já sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal de declarar inconstitucional a lei que proibia o uso da linguagem neutra é uma vitória para a inclusão e a diversidade.
A linguagem é uma ferramenta viva, que se adapta às necessidades de quem a utiliza.
Ao promover debates sobre a linguagem neutra, buscamos uma sociedade mais acolhedora e justa, onde todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero, sejam respeitadas.
Vale lembrar que países desenvolvidos já discutem e implementam adaptações similares, e cabe ao Brasil avançar de forma democrática, ouvindo especialistas, educadores e a população. O importante é que essas discussões ocorram sem imposições ou proibições, mas com abertura e diálogo construtivo, sempre respeitando os direitos garantidos pela Constituição”.

Dayane Regina Masselai, professora da rede pública municipal de Balneário Camboriú, presidente da APROBC, presidente do CONSEME e Doutoranda em Educação
“A Constituição Federal, em seu artigo 206, inciso II, estabelece a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”.
Este preceito assegura aos estudantes, por meio de documentos curriculares específicos, o ensino contextualizado da língua portuguesa, considerando a adequação linguística às práticas sociais dos diferentes campos de atuação humana.
Nos últimos anos, a discussão sobre a linguagem neutra tem ganhado espaço. A utilização de artigos neutros ou símbolos que representam gêneros não binários surge com o objetivo de tornar a língua mais inclusiva. É importante destacar que a linguagem possui tanto a modalidade escrita quanto a oral. Enquanto na oralidade, a linguagem neutra pode ser mais facilmente integrada de forma coloquial, na escrita formal é necessário respeitar as normas gramaticais oficiais. O ideal é que os estudantes compreendam essa diferença: cada situação exige uma linguagem apropriada.
É fundamental evitar radicalismos linguísticos, pois o preconceito também se manifesta nas palavras. Para construirmos uma sociedade mais justa e igualitária, devemos refletir sobre as visões de mundo que perpetuamos. O português, como uma língua viva, tem passado por transformações culturais ao longo do tempo. Um exemplo disso é a evolução do pronome “vossa mercê” para “você”.
No contexto do ensino da língua portuguesa, é importante ressaltar que mudanças nas normas gramaticais e ortográficas não ocorrem de forma arbitrária.
Esse processo é longo e envolve um comitê formado por professores e professoras de todos os países lusófonos, nomeados por seus governantes. O objetivo é estudar a língua, considerando problemas regionais e sociais, para avaliar a necessidade de mudanças que mantenham a unidade linguística. Um exemplo é a reforma ortográfica que, após mais de uma década de discussões, resultou na retirada do trema e na modificação da acentuação de alguns ditongos.
Propostas linguísticas inclusivas, como a linguagem neutra, não mudarão oficialmente as regras estabelecidas até que essas mudanças se tornem inevitáveis. Proibir o estudo ou a menção a determinados usos linguísticos pode silenciar debates importantes sobre temas sociais sensíveis”.

Professor Wilson Vieira Filho, Administrador Escolar na rede pública municipal, Vice presidente APROBC, doutorando em Educação
“A internet, em especial as redes sociais, transformou a maneira como nos comunicamos, informamos e interagimos. Essa revolução digital, no entanto, trouxe consigo desafios complexos que exigem uma reflexão profunda e a busca por soluções eficazes. A ausência de regulamentação adequada tem permitido que as plataformas se tornem verdadeiras “terras de ninguém”, onde a desinformação, o discurso de ódio e a falta de responsabilização se proliferam.
Em todos os ambientes da nossa vida cotidiana, do ambiente escolar ao profissional, somos regidos por normas que visam garantir o bom convívio, a segurança e o respeito. Por que a internet, um espaço tão influente e impactante, deveria ser uma exceção? A falta de regras claras e eficazes nas plataformas digitais tem se mostrado um terreno fértil para a propagação de “fake news” e para a disseminação de conteúdos que incitam a violência, o preconceito e a desconfiança.
A proliferação de notícias falsas, por exemplo, tem um impacto direto na sociedade, minando a confiança nas instituições, manipulando a opinião pública e até mesmo colocando vidas em risco. Quando qualquer pessoa pode publicar o que quiser, sem qualquer tipo de checagem ou responsabilização, a informação se torna um campo de batalha onde a verdade é frequentemente a primeira vítima.
A decisão da Meta (empresa controladora do Facebook e Instagram) de remover os checadores de fatos é um exemplo alarmante dos riscos da autorregulação das plataformas. A remoção dos checadores de fatos agrava o problema da desinformação e da polarização, e serve de exemplo da necessidade de mecanismos externos e objetivos para a regulação.
É fundamental entender que a regulamentação da internet não é um ataque à liberdade de expressão, mas sim uma forma de proteger esse direito e de garantir que todos possam se expressar de maneira livre e segura, sem serem vítimas de desinformação ou discursos de ódio.
A regulação deve ser cuidadosamente elaborada para encontrar o equilíbrio entre a liberdade de expressão, a proteção dos direitos humanos, a transparência e a responsabilização das plataformas.
A regulamentação da internet é essencial para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e informada”.

Wellington Silva, 32 anos, empreendedor, liderança do movimento LIVRES no estado de Santa Catarina, movimento este que defende a liberdade por inteiro e ex-candidato a vereador na eleição de Balneário Camboriú em 2024 pelo Partido NOVO
“A inconstitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a Lei Municipal nº 4.797, de 04 de outubro de 2023, é um importante passo no caminho em respeito à diversidade e às liberdades individuais. É importante observar que o direito pelo uso da linguagem neutra não é um movimento baseado na substituição da língua portuguesa e sim um movimento de reconhecimento quanto às particularidades do indivíduo que busca inclusão e representatividade.
Veja bem, o Brasil possui muitos dialetos regionais que enriquecem a língua portuguesa e as individualidades da sociedade e suas culturas.
A variedade linguística regional é causada por diversos fatores, como a influência de imigrantes, tendências sociais, idade dos falantes, sexo, nível de exposição aos saberes convencionais e a evolução histórica da língua. Alguns exemplos que podemos citar: Carioca: “Coé” significa “qual é?”, “isso é caô” significa “isso é uma mentira”, “tô bolado(a)” significa “estou preocupado(a)”, “maneiro” significa “muito legal” e “rolé” significa “passeio”. Baiano: “Baratino!” significa “enrolação/conversa fiada”, “colé de mêrmo?” significa “como vai você?” e “aooonde!” significa “não mesmo!”. Gaúcho: “Bah” é uma interjeição que expõe reprovação ou surpresa, “toca ficha” significa “segue em frente”, “baita” significa “grande” e “chinelagem” significa “algo de baixo nível/baixaria”.
A linguagem neutra é a forma oral ou escrita para designar o gênero neutro, em vez de masculino ou feminino. O uso de pronomes neutros é o mais comum, em que os artigos “a” e “o” são substituídos por “e” ou “u”.Assim, os pronomes “ele” e “ela” podem ser escritos como “elu” para identificar uma pessoa de gênero neutro. Esse tipo de comunicação é frequentemente usado pela comunidade LGBTI+ para incluir pessoas trans, não-binárias ou intersexo, para que se sintam representados na sociedade.
Quando o Poder Executivo e o Poder Legislativo atuam para proibir a liberdade de expressão cabe ao Poder Judiciário intervir para restabelecer a democracia. A Lei nº 4.797 foi um claro ato de perseguição e censura das liberdades individuais e de expressão à comunidade LGBTI+, já que não há legislação vigente proibindo outros dialetos nestes mesmos locais citados na referida lei.
É necessário observar que as divergências ideológicas devem ser debatidas e não proibidas movidas por crenças religiosas ou motivações políticas.
O Brasil, assim como Balneário Camboriú, é um país rico em diversidade e cultura e o melhor caminho é o respeito a esta diversidade.
Todavia, o respeito às liberdades individuais e de expressão devem ser mútuas e uma via de mão dupla. Não adianta lutarmos pelo respeito se não respeitamos na mesma moeda as crenças e culturas de cada um, tentando impor nossas particularidades e nossas posições políticas à frente do direito individual. E este é o ponto de partida ao comentar sobre as declarações de Mark Zuckerberg no dia desta terça-feira.
A decisão do fundador do Facebook e CEO da Meta, vem de encontro com a tendência global no rompimento do politicamente correto, dos cancelamentos virtuais e da censura.
Nos últimos anos, os movimentos e a militância tem muito mais prejudicado a democracia e as liberdades individuais do que promovido o debate acerca de políticas públicas favoráveis à sociedade, a inclusão e a diversidade.
Não é novidade para ninguém que a maioria dos movimentos são massa de manobra política tanto na extrema esquerda como na extrema direita.
Estes movimentos têm cada vez mais deixado de lado a luta pelo que é importante para tornarem-se uma militância que prega a polarização e a censura.
Durante a pandemia nós enfrentamos uma disseminação gigantesca de fake news acerca da COVID-19 e das vacinas o que ampliou ainda mais o uso de verificadores independentes de notícias.
A questão que o fundador do Facebook aborda ao eliminar os verificadores é o quão longe deixamos a censura entrar em nosso dia-a-dia. Na opinião dele, cujo a qual eu concordo, de que – “O que começou como um movimento para ser mais inclusivo tem sido cada vez mais usado para calar opiniões e excluir pessoas com ideias diferentes, e isso foi longe demais” – disse ele no anúncio de ontem. Os verificadores “independentes” começaram a levar em consideração suas posições políticas e ideológicas ao realizarem a checagem, o que acabou muitas vezes tornando o debate desproporcional, tendo em vista que muitas das postagens nas redes sociais da Meta eram opiniões individuais e não de fato uma informação com credibilidade a ser considerada.
Na história recente do Brasil tivemos casos de censura escancarada como, na eleição de São Paulo onde por duas ocasiões Pablo Marçal teve suas redes sociais suspensas. Embora eu não concorde com absolutamente nada do Pablo Marçal, ainda sim defendo o direito em não ser silenciado por uma decisão monocrática. O mesmo ocorreu anteriormente com Donald Trump, Elon Musk, Monark, entre outros tantos indivíduos. Concordando ou não com as opiniões deles, ainda sim considero que a censura não é o caminho. Talvez o que esteja me perguntando é especificamente sobre o trecho das novas regras da Meta em relação a possível patologização de homossexuais e transsexuais.
Pois bem, o trecho em questão fala de que – “acusações de anormalidade mental relacionadas a gênero ou orientação sexual, especialmente no contexto de debates religiosos ou políticos”, como questões de ‘transgenderismo’ e homossexualidade. Esses debates são considerados amplamente culturais e político” ou seja, postagens do gênero não serão mais penalizadas de forma automática. Dependerá das notas da comunidade avaliar e denunciar o conteúdo. Estes “debates” já acontecem na internet há muito tempo e em podcasts políticos e religiosos, bem como em outras redes sociais como X (Twitter). A Meta decidiu focar seus filtros de verificação em violações legais e casos de alta gravidade. Isso significa que, se um post com discurso de ódio for denunciado, ele será analisado e penalizado conforme as regras da plataforma e as leis do país onde o crime aconteceu.
Esse modelo não é novo: é o que já vemos, por exemplo, no próprio X (Twitter). Lá, a comunidade pode sinalizar desinformações com notas explicativas, mas as postagens não são removidas imediatamente, preservando a liberdade de expressão, mesmo quando o conteúdo é errado ou até mesmo criminoso. Hoje, já existem legislações globais para punir crimes de ódio e ataques contra a comunidade LGBTI+. Porém, cabe ao judiciário, e não às plataformas, aplicar essas punições.
E faz sentido: apagar um post criminoso não resolve o problema. Na prática, a opinião da pessoa não muda — e, muitas vezes, ela passa a se sentir “vítima de censura”. Já uma punição judicial tem muito mais impacto, porque responsabiliza, pune e educa a sociedade sobre o que é errado. Para a comunidade LGBTI+, faz mais sentido saber quem são os agressores e perseguidores do que andar por aí sem saber de onde pode vir o próximo ataque. Quando uma postagem permanece online, ele expõe os autores, permitindo que sejam identificados e responsabilizados. Remover o conteúdo só ajuda a esconder o problema e quem são essas pessoas, o que pode ser mais perigoso. Por mais que essa mudança específica pareça um retrocesso em alguns aspectos, acredito que é importante a garantia das liberdades individuais.
Mas isso não significa que liberdade de expressão seja sinônimo de impunidade. Se alguém comete um crime, a justiça está aí para fazer seu papel. O que precisamos realmente debater é o porquê há uma tendência global em penalizar e regulamentar as liberdades individuais e de expressão. A resposta talvez seja objeto de um outro debate que melhor possa ser aprofundado em outra oportunidade. Por ora apenas como opinião individual, permitir que a comunidade verifique as informações através de notas da comunidade é uma decisão acertada e positiva na luta contra a censura e pela liberdade de expressão”.
Comissão Municipal LGBTQIA+ de BC

“A Comissão Municipal LGBTQIA+ de BC manifesta, acerca da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou inconstitucional a lei municipal de Balneário Camboriú que vedava o uso da linguagem neutra na grade curricular e no material didático do ensino público, que a adoção de uma linguagem neutra, já implementada em outros países, inclusive mais desenvolvidos que o Brasil, exigiria uma análise cuidadosa para sua adaptação adequada à língua portuguesa, reconhecida por sua complexidade. Assim, a questão demanda uma abordagem construtiva, que viabilize sua discussão e eventual inclusão na língua oficial de maneira formal e apropriada. Todavia, em não havendo, entende-se que proibições não representam a solução para divergências, uma vez que não se deve, tampouco se pode, silenciar demandas legítimas de uma parcela expressiva da sociedade, que clama por uma linguagem capaz de abarcar e respeitar todas as pessoas, independentemente de gênero ou orientação sexual. Essa demanda nasce e cresce no meio do povo, de onde emana todo o poder democrático, e merece a devida atenção e respeito constitucional.
Em relação à decisão do Grupo Meta de descontinuar as ferramentas de checagem de fatos em suas plataformas, a Comissão expressa preocupação com os possíveis impactos dessa medida. A ausência de mecanismos de verificação em redes sociais amplamente utilizadas pela população que se vê exposta a elas diariamente, pode favorecer a disseminação de crimes, fraudes, informações falsas, discursos de ódio e conteúdos transfóbicos e LGBTfóbicos, como uma série de noticiários já vêm apontando. Reconhece-se que o equilíbrio entre liberdade de expressão e combate à censura é tema de discussão global e merece debate sensível; contudo, considera-se que a falta de mecanismos de controle pode fomentar e endossar comportamentos criminosos, desinformação e outros prejuízos à sociedade. Por mais que o Codigo Penal e outras leis combatam esses prejuízos e punibilizem os responsáveis, a desresponsabilização das redes e facilitação desses comportamentos nesses espaços vão de encontro ao movimento que se observa nos países aplaudidos por serem mais éticos, humanos e seguros. Assim, principalmente em se tratando do Brasil, reforça-se a importância da melhor regulamentação e da responsabilização das redes sociais, de forma a proteger os direitos fundamentais e preservar os valores democráticos em um cenário de crescente complexidade política e social ao redor do tema”.