(UOL/FOLHAPRESS) – Torcedores de diferentes clubes se reuniram nas ruas de Buenos Aires, capital da Argentina, na última quarta-feira por uma bandeira que já era defendida por Diego Maradona há mais de três décadas: a defesa dos aposentados diante da repressão estatal. O “adversário” desta vez é o presidente Javier Milei.
ECO A MARADONA
Diego Maradona deu uma declaração em 1992 que segue inspirando fora de campo. À época, o ídolo argentino, já campeão do mundo, saiu em defesa dos aposentados que protestavam contra medidas tomadas pelo governo do então presidente Carlos Menem.
“Estou de corpo e alma com os aposentados. O que fazem com eles é uma vergonha (…) Como não vou defender? Teríamos que ser muito cagões para não defendê-los. Estou até a morte com os aposentados, porque o que fazem com eles é uma vergonha”, disse Maradona, em 1992.
A frase virou lema, 33 anos depois, para torcedores que se uniram pela defesa dos aposentados contra a violência policial praticada pelo governo Milei. Representantes de torcidas de cerca de 30 clubes aderiram aos tradicionais atos nos arredores do Congresso argentino em meio à escalada na repressão aos aposentados. Cartazes de Maradona tomaram as ruas, e a citação foi repetida como um mantra.
“A luta dos aposentados vem dos anos 1990. O povo acompanha e, por mais que não seja você passando por essa situação, existe a solidariedade. Naquela época, os aposentados estavam bastante sozinhos em suas reivindicações, e aí alguém como Maradona fez sua voz ser ouvida. E Diego, como sempre, respondeu que tem que ser muito ‘cagão’ para não defender um aposentado. Tem essa ideia de que ‘é preciso defender o aposentado, não importa o que aconteça'”, afirma Lali, fotógrafa e torcedora do Chacarita, à reportagem.
Sempre às quartas-feiras, aposentados se reúnem no coração da capital argentina contra o fim de políticas públicas e a precarização das condições da categoria. Tais medidas não são novidade no país, mas foram reforçadas com a ideologia da “motosserra” de Milei, de amplo corte de gastos estatais. A repressão policial à “marcha dos jubilados” vem avançando desde o ano passado.
APOIO DE TORCEDORES AOS APOSENTADOS
A mobilização das torcidas começou após um aposentado, que sempre protestava com camisa do Chacarita Jrs, ser agredido e ter a mão quebrada. Torcedores do clube que disputa a segunda divisão do país se solidarizaram com o colega de arquibancada e foram às ruas no último dia 5, aumentando os holofotes sobre a causa.
“Foi uma imagem muito forte. Por sorte, os meios de comunicação estavam registrando e viralizou nas redes sociais. Então, um grupo de torcedores do Chacarita, vendo que estavam batendo em um aposentado que tinha a camisa do nosso clube, se uniu. ‘Não deixamos que isso aconteça no estádio, vamos acompanhar os aposentados nas ruas e não deixar que os agridam'”, diz Lali.
A manifestação multiplicou de tamanho na semana seguinte com a adesão generalizada de outras torcidas, e o confronto com a polícia também aumentou. Na última quarta, foram mais de 50 manifestantes hospitalizados, um deles em situação grave, e 120 detidos, além de cerca de 30 agentes de segurança feridos.
TENTATIVA DE CRIMINALIZAÇÃO DAS BARRAS
O governo da Argentina chamou os torcedores envolvidos de “barra bravas” -o equivalente aos torcedores organizados que se envolvem em brigas no Brasil. No entanto, os “hinchas” que foram às ruas rebatem a versão, afirmando que é uma estratégia das autoridades para tentar descredibilizar a manifestação. Segundo os participantes, a adesão massiva de torcidas foi espontânea.
A torcida do Chacarita, historicamente, é muito presente e combativa. Há uma tentativa oficial do governo de nos chamar de barra bravas para deslegitimar o protesto social e a reivindicação dos aposentados, justificando uma repressão. Foi tudo muito espontâneo, não houve nenhuma organização política partidária. Eu sou torcedora do Chacarita, não sou barra brava.Lali
A Argentina está em polvorosa desde então, e a gestão Milei até enviou um projeto de lei para criminalizar as torcidas organizadas. A secretária de segurança pública do país, Patricia Bullrich, anunciou nesta segunda-feira (17) que a proposta é classificar esse grupo de torcedores como organizações criminosas.
O governo argentino já avisou que manterá o efetivo policial para o próximo ato, que deve contar novamente com o apoio em massa de torcedores cada vez mais crescente.