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Negros eram impedidos de votar desde Império até 1985 apesar de permissão formal

Eleitores negros tiveram seu direito de votar e serem votados historicamente negado até 1985, ano que marcou a redemocratização, apesar das regras existentes não explicitarem uma exclusão deste segmento da sociedade nos pleitos.

O principal mecanismo para a supressão deste grupo era o impedimento a analfabetos, existente até a transição para a atual Constituição. Ainda houve outros instrumentos, como a exclusão de pessoas em situação de rua, além do voto censitário no Império, que definia pela renda quem poderia ir às urnas.

A marginalização do eleitorado negro também atrapalhava candidaturas que representavam esse segmento, que tinham dificuldades para serem registradas, e caso eleitos, de conseguir a diplomação e tomar posse.

A maioria dos textos constitucionais brasileiros não possuía nenhuma restrição expressa ao direito de votar e ser votado por critérios étnico-raciais. Há, inclusive, casos excepcionais de ascensão política de pessoas negras em diferentes contextos históricos do país.

No Império, foi eleito Antônio Pereira Rebouças, o primeiro deputado negro do Brasil. Ele se declarava pardo e conseguiu o cargo pela primeira vez em 1828. Em 1909, Monteiro Lopes foi o primeiro congressista preto da República, mas que só foi empossado após articulação da sociedade por sua diplomação.

Petrônio Domingues, professor de história da Ufes (Universidade Federal de Sergipe), se dedicou a pesquisar a trajetória de Monteiro Lopes. Ele cita o deputado como um exemplo das dificuldades históricas de pessoas pretas e pardas em ingressar no cotidiano da política institucional brasileira.

“A legislação não impedia as pessoas das classes populares de se candidatarem, mas, na prática, era impossível elas serem reconhecidas”, afirmou.

Lopes se candidatou para o cargo de intendente -correspondente ao cargo de vereador- e se elegeu em 1903. Segundo Domingues, era alvo de racismo por colegas do Legislativo.

Foi candidato à Câmara dos Deputados, e elegeu-se na segunda tentativa. Foi então que se tornou tema dos jornais. “Ele foi sufragado nas urnas, mas ficou aquela interrogação se seria reconhecido pela comissão de verificação, responsável por homologar ou não o resultado”, afirma o pesquisador.

Segundo o historiador, Monteiro Lopes iniciou uma campanha nacional mobilizando a sua base: os trabalhadores, a população negra, as associações beneficentes, e a população da zona portuária do Rio de Janeiro. “No final, ele foi reconhecido e a imprensa deu também ampla repercussão”, afirma Petrônio.

O político assumiu a vaga na Câmara em 1909, mas ficou pouco tempo no cargo, pois morreu em 1910.

No mesmo contexto chegou ao cargo máximo do país Nilo Peçanha, que assumiu a Presidência após a morte do titular Afonso Pena. O político sofreu ofensas racistas frequentes ao longo de sua vida pública e evitava falar sobre a cor da sua pele.

“É uma figura importante por mostrar esse mascaramento, ou seja, a tentativa de não parecer negro, que foi típico do mulato aqui no Brasil. A imprensa o ridicularizava”, diz Muniz Sodré, professor emérito da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), em entrevista para a Folha de S.Paulo.

Estes exemplos tornaram-se realidade apesar dos sistemas políticos existentes. A Constituição de 1824, a primeira do Brasil e a única do Império, tinha como método formal de restrição dos direitos políticos a renda, que precisava ser alta para os padrões à época para poder acessar a urna e para candidatar-se.

O texto ainda impedia os escravizados libertos de participarem politicamente, mas não os ingênuos -filhos livres nascidos de uma mãe escravizada após a Lei do Ventre Livre-, o que gerou uma série de discussões sobre o acesso ao direito de representar e ser representado por este grupo.

Antes mesmo de inaugurar a primeira República, a Câmara e o Senado aprovaram em 1881 a Lei Saraiva, exigindo o letramento para a representação política. Ruy Barbosa, autor do projeto de lei, afirmava que escravizados, mendigos e analfabetos não deveriam votar por não saber identificar o bem comum.

Esses bloqueios afetavam majoritariamente a população negra, que não foi integrada à sociedade após a escravidão devido à ausência de reformas de Estado que os inserissem na lógica produtiva brasileira, o que os deixou em situação de rua e sem escolarização.

Domingues reiterou a importância do impedimento a analfabetos como fator que excluía a população negra da vida política nacional.

“O atraso da população negra em votar e ser votada tem a ver com a legislação eleitoral que impedia os analfabetos de votar. A concepção elitista dos legisladores brasileiros que associavam pessoas ‘conscientes’ e ‘com discernimento político’ à alfabetização.”

Apenas em 1985 foi aprovada uma proposta de emenda à Constituição de 1967, em vigor à época, autorizando o voto dos que não sabiam ler ou escrever.

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Luana Barbosa, mestre e doutoranda em ciência política pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), argumenta que estes impedimentos sociais, que barraram os direitos políticos da população negra, eram justificados pelo mito da democracia racial.

Ela vê a democracia como um instrumento capaz de subverter as lógicas políticas e sociais existentes, e diz que o período atual conseguiu manter pessoas pretas e pardas com algum grau de representação por meio da sociedade civil.

Essa lógica se repete com as candidaturas negras, que desafiam o contexto atual, de maioria branca na política. “As pessoas negras são maioria no país, e a coletivização de candidaturas, os líderes de bairro e a sociedade civil garantiram a representação deste grupo.”


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