Raul Tartarotti*
Na Viena da Áustria de 1900, as pessoas não tinham seu primeiro olhar à política ou religião, como hoje intensamente focamos; mas sim ao teatro.
O famoso Burgtheater era o espelho em que a sociedade se mirava.
Transbordava cultura em todas idades, era uma honra a qualquer vienense, entrar para o rol dos partícipes do teatro.
Naquela cidade, tudo aparentava cor ou música; a procissão do corpo de Deus, as paradas militares e a tradicional “banda do paço”. Além disso, a ambição de todo vienense era ter um bonito enterro, com muito aparato e acompanhamentos. Mesmo á morte, aquele feliz cidadão (ã), desejava oferecer um espetáculo para todos.
Aqueles tempos proporcionaram um clima de teatro mania, porque foram vividos com alegria, prazer e potência de vida.
Hoje, entrincheirados que estamos, nos resta pegar um desvio da próxima cepa de vírus, pois para atacá-lo com uma vacina no braço, precisamos esperar na fila.
O inimigo invisível, e minúsculo ser patético, busca sua reprodução e destruição do hospedeiro. Além disso é suicida, pois acaba matando o corpo que se adonou.
Como podemos enfeitar nossa própria morte igual aos vienenses, se nosso viver é de um fugitivo da peste à solta?
Nada mais razoável esperarmos a destruição da Covid-19, antes de iniciarmos novos caminhos.
Os profissionais da área da saúde, imploram pela quarentena em seus depoimentos lamentosos. Demonstram a dor nos olhos de quem se dispõe a contar o que viu no front da pandemia.
Em 2020, utilizamos a palavra “quarentena” milhares de vezes, para lembrar ao amigo, que deve se recolher a seus aposentos, se estiver, ou não, carregando consigo a peste.
Porém, na religião católica, essa mesma quarentena é um período de espera até a Páscoa, quando é celebrada a ressurreição de Jesus, que é um momento de festa e alegria.
Diferente da atual que nos leva ao triste isolamento, parecendo uma fuga social.
Em Portugal, fugir pode ser escrito através da expressão linguística “Dar às de Vila Diogo”. Criada em torno de 1220, no reinado de Fernando III de Castela (Espanha), em definição aos judeus que se escondiam no vilarejo de Vila Diogo, fugidos do ataque antissemita.
Fácil proferir essa expressão hoje, e escolher alguém para apontar como fujão.
Há diversas desculpas em não querer assumir uma campanha séria de ataque a um vírus. Porque não implementar de uma vez um plano de vacinação à altura do Brasil, ao invés de mirar somente na campanha eleitoral?
Investir em saúde sempre deu voto aos políticos. Dessa vez poderia ao menos disfarçar a preocupação, vacinando em massa o país.
Como escreveu Nelson Rodrigues, em seu livro publicado no ano de 1992, essa é “A vida como ela é”, com suas dores e amores.
No ritmo que vivemos, nos parece que tantas dores não permitirão espaço para uma vida digna.
Tentaram atenuar a pandemia com os comprimidos fake, porém, a morte decretou a falência dessa ideia, e o distanciamento da ciência, completou a incompetência desse governo.
Por vezes, nos dá vontade de “Dar às de Vila Diogo” do Brasil.
Se não for possível, façamos a quarentena.
*Raul Tartarotti é engenheiro biomédico e cronista.