Dia desses assisti a uma cena contristadora. Uma velha, envolta em sórdidos andrajos, tremendo no vento gelado e cortante, caminhava, o passo trêmulo, ao longo do cais do porto pesqueiro. Substituindo a saia, um trapo imundo e manchado de lama recobria-lhe o corpo ossudo e seminu; os pés eram envoltos em trapos amarrados por barbantes; no rosto sujo e enrugado, por cima do olho direito, havia sangue coagulado.
A cena me trouxe à lembrança uma personagem que passeia no imaginário daqueles que viveram Itajaí nos anos 1960: Maria do Cais. Esta, no entanto, era uma mulher forte, valente, desbocada, prostituta e com um coração enorme. Nascida em Timbó (SC), Olga da Silva Leutério, verdadeiro nome de Maria do Cais, era de origem pobre e foi adotada, ainda criança, por uma família de alemães. Ela sentiu na pele a violência; aos sete anos foi estuprada. Um pouco mais tarde, quando voltou a morar com a mãe, sofreu o assédio do padrasto e fugiu de casa.
Alguns anos depois, não se sabe ao certo, Maria veio para Itajaí e se instalou na região do cais. Entre pescadores e estivadores, não havia quem não conhecesse aquela mulher de estatura avantajada. Mas a valente e desbocada figura do cais também era conhecida pela sua solidariedade com aqueles que não tinham nada. Maria ia até os barcos e pedia aos mestres peixe. Se eles não davam, ela rogava uma praga, dizia que iam morrer no mar!
Assim, Maria levava a vida, enfrentando polícia, delegado, pescador, tudo para se proteger e proteger aqueles que viviam com ela, e que de certa forma eram a sua família. Inesquecível personagem que apesar das agruras impostas pela sofrida existência nunca perdeu a humanidade que lhe acalentava a alma!
Mas, voltando à história da velhinha desamparada que perambulava no cais, o cenário era deprimente. Os dentes entrechocavam-se, enquanto o frio lhe sacudia o pobre corpo gasto. Era um espetáculo horrível, desesperador. Tendo-lhe perguntado para onde ia, resmungou alguns sons ininteligíveis. Mal podendo mover os pés doloridos, subiu o degrau da calçada arrastando-se sobre as mãos.
De vez em quando, o trapo que lhe cobria as cadeiras e as pernas escorregava, descobrindo-lhe a nudez miserável. Com uma das mãos sustentava então o andrajo, enquanto a outra sustinha uma bolsa plástica cheia de restos sórdidos de pão. A expressão do olhar era desvairada e idiota. E ninguém se aproximava para socorrê-la, para sustentar-lhe os passos trêmulos, ninguém ousava dirigir-lhe a palavra de piedade e de amor.
De tempos em tempos, a infeliz voltava-se, como um cão pestilento, para fixar os transeuntes, que acorriam em grande número para presenciar a passagem de um enorme navio deslizando no Itajaí-Açú em direção ao berço onde iria atracar. Encaravam-na com fria curiosidade; alguns meneavam a cabeça, mas ninguém lhe estendia a mão. Preferiam se concentrar no espetáculo visual proporcionado pelo colosso a navegar imponente. O belo se impunha aos olhos insensíveis daquelas almas desertas de humanidade.
Acompanhei-a , durante algum tempo, sem saber o que fazer. Meu coração sangrava. Pensava em São Francisco, que voltava sobre seus passos para abraçar, entre soluços, o leproso. Que força é capaz de prender à vida um ser tão lamentável?
Quando a deixei, tive vergonha, e senti-me profundamente triste. Vieram-me à lembrança estas palavras, lidas ou ouvidas não sei onde: em cada pobre, em cada criatura que sofre, deveis enxergar Jesus, vosso irmão! Quis voltar atrás, mas era tarde. A velhinha desaparecera.