Depois de 330 quilômetros de muita lama e perigo na travessia da selva amazônica entre Porto Velho, capital de Rondônia, até Guajará-Mirim, margeando a abandonada estrada de ferro Madeira-Mamoré, que matou em sua construção milhares de trabalhadores vitimados por doenças e animais selvagens, finalmente cheguei à Bolívia, o mais pobre dos países da América do Sul.
Espantosamente, a Bolívia já foi uma das mais ricas nações do planeta. A magnífica Potosí, cidade que guardava uma montanha de quase cinco mil metros de altura, repleta de prata e pedras preciosas, atiçou na Idade Média a cobiça dos desbravadores espanhóis. Os índios, naturais donos daquela riqueza, acabaram escravizados e morreram na exploração irracional da montanha. A prata dali retirada foi a mola propulsora para o desenvolvimento de todo o continente europeu.
Em seu apogeu, na cidade de Potosí até as ferraduras dos cavalos eram de prata. O precioso metal ergueu templos, palácios e mosteiros, deu motivo a tragédias e festas que duravam dias seguidos, derramou sangue e vinho. Em 1573 Potosí possuía 120 mil habitantes e menos de 30 anos depois que a cidade brotara entre os páramos andinos, já contava com a mesma população de Londres e mais habitantes do que Madri, Roma ou Paris.
No começo do século XVII, a cidade já contava com 36 igrejas esplendidamente ornamentadas, além de vários cassinos e mais de uma dezena de escolas de dança. Segundo afirmam fantasiosamente alguns escritores bolivianos, em três séculos a Espanha retirou de Potosí metal suficiente para estender uma ponte de prata desde a magnífica montanha até a porta do palácio real, do outro lado do oceano.
Hoje, restam a pobreza e a certeza do genocídio nativo, milhares e milhares de indígenas exterminados no trabalho forçado nas minas para alimentar o progresso alheio. De mochila nas costas adentrei o território boliviano e, de moto-táxi, segui até Cochabamba. Sim, moto-táxi, um meio de transporte que em 1980, pelo que eu saiba, inexistia no Brasil.
No caminho, um povo miserável na beira das estradas, semblantes tristes, queimados pelo sol escaldante, sobrevivendo da venda aos turistas e viajantes de objetos manufaturados e de doces e salgados produzidos com os ingredientes da culinária local.
Cochabamba é a terceira maior cidade boliviana, fundada pelo colonizadores espanhóis, e abriga várias universidades. Muitos brasileiros vão para lá realizar seus estudos, estimulados pelo baixo custo das mensalidades. De lá, subi de ônibus as precárias estradas que levam à capital La Paz, localizada a mais de 3.600 metros de altitude, rodeada de montanhas que compõem a Cordilheira dos Andes e com uma população que ultrapassa os dois milhões de habitantes.
A Bolívia foi o país mais miserável que conheci na minha aventura de mochileiro pela América do Sul. Quem diria que já esbanjou prata e pedras preciosas e constituiu-se na principal fonte de riqueza para o desenvolvimento da economia europeia. Além de ser, a exemplo de vários outros países da região, vítima atroz da sanha colonizadora que se abateu sobre o território latino-americano.
Não me demorei muito na Bolívia, o Peru e os mistérios de Machu Picchu me aguardavam e atiçavam a minha infinita curiosidade!