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Da magia de Machu Picchu ao terremoto no deserto

Depois de saciar os olhos e a alma com a fantástica Machu Picchu, monumental cidade erguida na Cordilheira dos Andes pela portentosa civilização Inca, retornei à capital peruana para decidir que destino tomar nas minhas andanças como mochileiro, sempre ávido por novas aventuras e ainda impregnado com a magia proporcionada pelas inesquecíveis imagens que acabara de experimentar.

Em uma praça no centro de Lima acomodei-me com mochila e tudo num banco. Ali permaneci, matutando, ao tempo em que assistia um grupo de saltimbancos executar seus malabarismos no meio de uma pequena multidão que se aglomerava curiosa e olhos atentos nas peripécias dos artistas de rua.

Com as dificuldades enfrentadas em conseguir carona para o Equador, não me restava outra alternativa senão mudar meu plano de viagem, cujo traçado incluía atravessar a América Central e chegar aos Estados Unidos. Na capital do imperialismo mundial pretendia trabalhar, ganhar algum dinheiro e lançar-me em direção à Europa.

Mas diante das circunstâncias, nada feito. E para ser sincero, meu coração agora pendia mais forte para a direção contrária. Estava extremamente curioso por conhecer o Chile, país que ainda enfrentava a ditadura do general Augusto Pinochet, responsável pela tortura e morte de milhares de intelectuais e opositores ao despótico regime que se instalara sem pedir licença.

Em 1973, à força de fuzis, tanques, bombas e metralhadoras, num ataque sem tréguas à sede do governo socialista de Salvador Allende, os golpistas invadiram o Palácio de La Moneda e tomaram o poder.

Salvador Allende, primeiro chefe de estado socialista eleito democraticamente na América, foi encontrado morto na sala presidencial. Os militares garantem que foi suicídio, mas uma outra versão sustenta que na verdade ele foi assassinado. É isto mesmo, o Chile me aguarda! E desta vez não vou pedir carona.

Saí a passos largos da praça e enveredei rumo à rodoviária de Lima. Embarquei e lá fomos nós, uma lotação de mais ou menos 40 passageiros com destino à Santiago do Chile. E olha que teríamos que atravessar o deserto do Atacama, o mais árido do mundo e com extensão de mil quilômetros.

Tamborilando nas pernas sambas e música popular, logo todos no ônibus sabiam que havia um brasileiro à bordo. A empatia foi imediata e a viagem transcorria leve, livre e solta. Travei uma forte amizade com meu vizinho de poltrona, César Garcia, um chileno cujo pai morava no Equador, e era de lá que ele vinha naquele momento, voltando para sua cidade natal, Santiago. E seria na casa dele, na capital chilena, que eu iria me hospedar, na minha caminhada de mochileiro em busca de aventura, luz e conhecimento. Ao todo percorri, pedindo carona nas estradas, ferrovias e barcos, nada menos que nove países sul-americanos.

A viagem seguia tranquila quando, de repente, susto geral!! Tudo começou a tremer em nossa volta. Era um terremoto, em pleno deserto. Não sei exatamente a magnitude do fenômeno, mas foi o suficiente para deixar muitos apavorados. A mim era uma sensação nova, e fiquei entre o deleite e o medo daquilo que estaria por vir. Mas, ainda bem! Depois de alguns minutos os abalos finalmente cessaram. Também não demorou muito e veio a notícia: o terremoto havia provocado uma enorme rachadura na rodovia, impedindo o tráfego. E agora!

Por sorte estávamos próximos a uma cidadezinha, San Pedro de Atacama, já em território chileno, que tem pouco mais de três mil habitantes. As temperaturas no deserto variam entre zero grau à noite e 40 graus durante o dia. Em função dessas condições existem poucas cidades e vilas no deserto; uma delas é San Pedro de Atacama, a 2.400 metros de altitude. Por ser bem isolada é considerada um oásis no meio daquela região inóspita, tornando-se o principal ponto de encontro de viajantes do mundo inteiro, desde mochileiros até fotógrafos, astrônomos, cientistas e pesquisadores.

Apesar de pequena e isolada no coração do deserto mais árido do planeta, fui descobrir que San Pedro possui uma vida agitada. Mesmo depois da meia noite, os bares e restaurantes ficam lotados com pessoas conversando, bebericando e planejando o dia seguinte. Grupos musicais de variados estilos animavam as noites frias do deserto, que se tornavam deliciosamente calorosas pela receptividade de nativos e visitantes.

Todos nós passageiros ficamos hospedados três dias em um hotel até que os estragos na estrada provocados pelo terremoto fossem consertados.

Embora de instalações relativamente modestas, podia ser considerado um hotel cinco estrelas no quesito animação. No mesmo andar que nós, vítimas incólumes do terremoto, ficamos hospedados, também se alojou uma banda de rock afamada em Londres e cercanias. Foi divino!!

Depois das exaustivas noitadas regadas a bebida e rock, nos dirigíamos aos quartos em companhia dos integrantes da divertida e talentosa banda, que antes de retirar-se da noite para o merecido descanso, ainda despedia-se de nós cantando a saideira pelos corredores. Incredible a sintonia que vivemos com os músicos!! Ainda lembro com nostalgia daqueles mágicos momentos!

Foram certamente dias muito prazerosos, de divertimento e descontração. Até as intrigantes lhamas pudemos conhecer de perto, um mamífero da família dos camelos, mas sem as corcovas; e, como eles, é um mamífero dócil e domesticável. Os índios do Chile, da Argentina, da Bolívia, do Peru e do Equador criam rebanhos desses animais.

A viagem continuou e com ela a descontração, que tinha como principal personagem um brasileiro tamborilando músicas nas pernas e na poltrona do ônibus. Algumas horas mais e finalmente chegamos ao nosso destino.

A paisagem generosa descortinava a perder de vista a poderosa Cordilheira dos Andes com seus cumes nevados, cintilando imponentes ao sabor do sol. Percorríamos então a Avenida Libertador O’Higgins, a mais importante via de Santiago.

Uma capital encantadora, com um povo culto – a maioria descendente de europeus – e uma charmosa e requintada arquitetura. O Chile, certamente, foi o melhor país que conheci entre aqueles por onde passei em minha peregrinação pela América do Sul. Mas essa já é uma outra história pra contar!

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