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Uma era iluminada do jornalismo Papa-siri

Nas últimas três décadas do século que passou tivemos um guru no jornalismo de Itajaí. Chamava-se Renato Mannes de Freitas, um craque na técnica de como redigir uma notícia. O semblante severo, barba um tanto espessa, olhar penetrante, configurava-lhe uma imagem que impunha a princípio um certo temor e, mais do que isto, respeito de quem dele se aproximava. Mas era só conhecê-lo melhor e tudo isso se desvanecia.

De fala mansa, pausada, postura de mestre, angariava logo a simpatia do interlocutor. Sua formação, bastante esmerada, não se deu nos bancos da faculdade, e sim na prática cotidiana da reportagem em São Paulo, na sede dos Diários Associados, de propriedade do lendário Assis Chateaubriand, o Chatô, jornalista, empresário, colecionador, mecenas, advogado, político e diplomata.

O império de Chateaubriand teve início em meados dos anos 1920 e, no seu auge, os Diários Associados reuniam, em todo o Brasil, 36 jornais, 18 revistas, 36 rádios e 18 emissoras de televisão, além de bater recordes de tiragem com a consagrada revista O Cruzeiro. Assis Chateaubriand construiu o maior conglomerado de mídia que o país já viu. Com a morte de Chateaubriand em 1968, as empresas entraram em decadência, culminando com o fechamento da TV Tupi, em 1980.

Era um jornalismo moderno, ousado e de qualidade, que privilegiava a reportagem investigativa. E foi com esta bagagem que Renato Mannes de Freitas retornou a Itajaí para dirigir o jornal A Nação, também de propriedade do grande magnata das comunicações. De meados da década de 70 em diante não foram poucos os profissionais que tiveram o privilégio de compartilhar dos conhecimentos trazidos por Renato Mannes. Entre eles este que vos escreve.

No final da década de 70, reinava uma atmosfera positiva em Itajaí e no Brasil, com a gradual derrocada da ditadura militar e das restrições à liberdade de imprensa impostas pelo regime. Com a queda do império de Chateaubriand, o diário A Nação deixou de circular e Renato Mannes abriu o Jornal de Itajaí. Foi neste periódico que iniciei minha trajetória jornalística, permanecendo por pouco mais de um ano como repórter.

Um convite me levaria a trabalhar na sucursal de Itajaí do A Notícia, empresa sediada em Joinville, que ao lado de O Estado, de Florianópolis, e do Jornal de Santa Catarina, de Blumenau, formavam o triunvirato das maiores empresas de mídia impressa do estado.

Os anos 80 constituíram-se na época de ouro do jornalismo itajaiense, com profissionais de qualidade como Valdemir Chagas, João Carlos da Luz, Terezinha Severino, Alberto Russi, Magru Floriano, Carlos Bittencourt, Jane Cardoso e vários outros, todos estes atuando na mídia impressa como repórter.

Também se destacavam no colunismo social Nilton Russi e Sebastião Reis, na fotografia Victor Schneider, Ronaldo Silva Júnior e Pedro de Oliveira, além de Ribeiro Luz e Irene Boehmer no rádio. Isso para citar alguns daquela inesquecível década, mas muitos outros profissionais atuaram com dedicação e competência numa época ainda de muita precariedade em recursos tecnológicos.

Redigíamos em máquinas de escrever Remington ou Olivetti, e o texto jornalístico tínhamos que levar até a agência dos Correios para que fosse novamente digitado e enviado por telex. Sim, telex, uma máquina que à medida que você digitava ia saindo uma fita de papel perfurada. Cada furinho correspondia a uma letra do alfabeto. Ao final, a fita era acoplada numa leitora e o texto enviado assim à sede do jornal. Mais tarde veio o fax, que significou um avanço extraordinário na transmissão das informações jornalísticas.

Mas com o Renato Mannes tive uma passagem hilariante. Fomos a um coquetel em um navio que inaugurava sua rota no Porto de Itajaí e, em clima de final de festa já nos preparávamos para ir embora quando se nos deparou diante dos olhos vários e vários litros de whisky que haviam sobrado, todos enfileirados sobre uma mesa.

Um dos garçons, percebendo meu olhar sedento, foi logo oferecendo um litro para levarmos, mas teria que ser escondido. Caso contrário, a bebida nos seria subtraída pelos agentes de fiscalização que cuidavam do acesso às dependências do porto. E agora! Se pelo menos tivéssemos uma daquelas bolsas de fotógrafo, tudo estaria resolvido. A solução que achei foi colocar o litro de whisky na meia. Que situação!

Mas fomos em frente e saímos do navio, eu e Renato Mannes, com aquela tradicional cara de paisagem. E o litro, arregaçando a minha meia, fazia enquanto caminhava um schlap schlap esquisito e revelador. Afinal, a inebriante alegria! Passamos livres, leves e soltos pelos agentes, que no momento conversavam distraídos, o suficiente para não perceberem o schlap schlap e o meu andar incômodo de alguém que havia sofrido algum acidente e estivesse, por isso, com a perna inevitavelmente engessada.

Renato Mannes de Freitas veio a falecer muito cedo, em 1999, com apenas 54 anos. Ia-se um mestre na arte do jornalismo moderno, e a ele ainda se faz necessária uma merecida e incontornável homenagem.

BREVE BIOGRAFIA

Homem de uma inteligência incomum e de grande senso de humor, possuía um estilo singular de escrita e grande habilidade com as letras.Começou sua carreira na década de 60, na Rádio Clube de Itajaí, sendo também, à época, professor de Língua Portuguesa . Em 1964, trabalhou no jornal A Nação, quando foi pioneiro na técnica do jornalismo moderno, que veio a servir de modelo para os profissionais da região.

Depois montou o Jornal de Itajaí, mais uma vez inovando dando espaço a charges e desenhos no jornalismo impresso.Trabalhou também nos jornais O Estado e Jornal de Santa Catarina.Junto ao jornalista Vladimir Chagas, na década de 80, trabalhou no Jornal O Liberal do Vale e a partir de 1992 no jornal Diário da Cidade como editor chefe,onde ficou até 1995.

Desta data até 1999 trabalhou como assessor de imprensa do Hospital Marieta e como editor na Gráfica Bittencourt, de propriedade do jornalista Carlos Bittencourt, a quem considerava um irmão de alma e quem o acompanhou até o último dia de sua vida. Na editora, era responsável por diversos periódicos como Jornal dos Bairros, Jornal do Itamirim, Jornal do Marieta, Jornal da Associação Comercial e Industrial de Itajaí – ACII, entre outros. Abria-se, assim, um novo espaço: o jornalismo empresarial e corporativo, praticado a partir daqueles tempos e importante até hoje .

O jornalista Renato Mannes de Freitas foi casado por duas vezes e teve três filhos: Gesiele, Rodrigo e Gabriela, aos quais deixou, além de saudades eternas, um exemplo de honra, fé, honestidade e alegria, pois era um pai incansável, amoroso e, por tudo isso, inesquecível.

Seu legado não pode ser traduzido em obras ou títulos, embora haja inúmeras edições de jornais assinadas por ele. Foi a arte de encantar outros jovens idealistas a seguirem com firmeza os passos do jornalismo a sua maior contribuição social.

Renato Mannes viveu em uma época em que para ser jornalista profissional não era preciso fazer curso superior, havia uma carteira profissional emitida pela Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ, segundo os critérios da época. Curiosamente, para escrever este texto, foi preciso pesquisar em documentos antigos e um deles foi a carteira profissional dele, expedida pela última vez em 03/08/89 e, para minha surpresa, a data de validade da mesma era 1999, ano de sua morte. Certamente, precisava continuar escrevendo sua história em outros lugares.

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