Ser professora, de modo geral, foi uma escolha fácil. Segui a experiência da mãe professora e o desejo latente de menina. Brincava de escola e alunos imaginários e fazia de qualquer espaço um contexto de sala de aula.
Da vasta imaginação que povoa a mente infantil à vida de professora, o processo formativo não foi fácil. Eu como tantos colegas que escolhem ser professores, temos nossas jornadas de estudo marcadas por inúmeros entraves, sobretudo, econômicos. Fato esse que leva a um deslocamento do foco principal de formação e cria uma divisão, quase desumana, entre longas horas de trabalho e formação noturna. Essa condição é naturalizada pelo sistema, pois como alguns estudos apontam, a escolha de ser professor, geralmente, recai sobre uma parcela da população que tem condições financeiras precárias.
O processo de formação é marcado por jornadas que exigem muita resistência e muita energia para a não desistência. Afinal, como ser professor e professora nesse contexto? Como uma sociedade terá bons professores se não investir em espaços de formação e condições adequadas para esta formação?
É fato que há uma invisibilidade sobre a vida de professor, sobre quem somos e como nos tornamos professores e professoras. Persiste certo romantismo que despersonaliza e desprofissionaliza.
É necessário, portanto, distanciamento entre a ideia de vocação e a necessidade de base teórica e conceitual sobre os processos formativos para docência. Há inúmeros problemas que precisam ser enfrentados quando tratamos da formação de professores. Entre eles, acredito que a expansão da ideia da educação como mercadoria certamente tem criado abismos e tem contaminado o cenário da profissão e da própria formação.
A falta de investimentos do poder público, a perversidade dos cortes no orçamento, o processo de terceirização do orçamento público para compra de vagas desde a creche até o ensino superior, tem afetado o valor da educação como um direito inalienável.
O modelo político e o projeto social que nos encontramos afeta a vida de milhares de professores e milhões de estudantes que passam ver as escolas e seus professores sem interesse e sem o devido valor nas suas vidas e no desenvolvimento cultural e civilizatório da humanidade.
A reforma da educação, como lembra Edgar Morin, é de múltiplos aspectos e inseparável da reforma do pensamento e da própria reforma do sistema educacional. Desse modo, a precarização da formação e o cotidiano dos professores dominado por longas horas de trabalho, pelas salas de aula superlotadas, pelo achatamento da carreira docente, pela perseguição a liberdade de cátedra, não podem ser banalizado especialmente no dia em que se pretende homenagear os professores e professoras.
Para esse dia, portanto, é necessária uma reflexão profunda para todos aqueles que acreditam que a educação de qualidade não acontece longe dos principais atores – os professores, as professoras.
Reflexão sobre os processos formativos, infraestrutura, qualificação dos tempos e espaços, carreira docente, dinâmica de envolvimento das famílias na escola, valorizando os processos de gestão democrática, como prevê a legislação educacional e que raramente se vê manifestada na prática, são algumas reflexões balizares para a retomada do envolvimento fraterno e humano que a sociedade tanto necessita para fugir do abismo que têm caminhado.
Há 35 anos eu, como tantos colegas, mantenho o encantamento pelas salas de aula, não obstante, observo entristecida o esvaziamento da formação e a carência de investimento. Vejo encurtar as vias da profissionalização, afastar o desejo pelo conhecimento e pelo percurso de tornar-se professora e professor.
Como educadora, portanto, não posso fugir da responsabilidade da luta cotidiana a favor de uma educação que aponte caminhos às vozes e aos corpos que adentram na minha sala de aula. De acolher as histórias que precisam de ouvidos atentos, de teorias transformadoras e confrontos de ideias para projetar novas práticas e novas responsabilidades com o contexto em que as escolas se encontram.
Acredito que enquanto houver uma fagulha a cintilar no horizonte, haverá um de nós apontando experiências, acolhendo um choro, mediando uma descoberta, mudando o curso de uma atitude, abrindo caminhos para o conhecimento, sendo a mão estendida em alguma queda e ponte para uma nova travessia. Porque a escolha de ser professora e professor é uma convocação ética e estética à mudança, à esperança, à consciência e à vida cheia de sentidos generosos e coletivos. Assim como a sala de aula é o entrelaçamento de vidas, sempre haverá esperança na busca de novos sentidos enquanto existir um professor e uma sala de aula plena de gente desejosa de SER.