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Balneário Camboriú
Marisa Zanoni Fernandes
Marisa Zanoni Fernandes
Ex-vereadora em Balneário Camboriú, é doutora em educação e professora universitária.
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TRANÇAR O TEMPO E A PAZ

O tempo parece parar quando alguém mexe no meu cabelo. Tenho a sensação de aconchego, e até bate aquele soninho. Aquela sensação de deixa o tempo me levar…

Essa sensação positiva do tempo que escorrega entre os dedos abre os fios, desliza suavemente pela cabeça e tem me seduzido e me provocado não somente estesia, mas curiosidade. E, nesse espaço de tempo, tenho percebido com mais frequência os trançados e as trançadeiras.
Reparo as mãos habilidosas em cada fio cuidadosamente puxado, alinhado, marcado e trançado. Os fios parecem costurar a cabeça e o tempo de cada uma das pessoas envolvidas — há histórias sendo contadas, gestos ancestrais sendo recuperados, irmandades sendo reconectadas como fios de uma teia que capturam novos significados de cuidados e de cura. São afetos sendo costurados esteticamente no tecido humano e social — que enchem os olhos e a alma.

Na palma das mãos, nas pontas dos dedos, as cabeças vão sendo mexidas e transformadas. Olho-me no espelho sedenta dessa transformação. Percorro, então, a minha cabeça e constato a difícil tarefa de trançar os finos e ralos fios de cabelos existentes. Reparo mais um pouco e vejo como eles escorrem pelos dedos, escapando fugazmente. Parece que desautorizam o trançado. Será que se habituaram à mesma estética? Ou estariam eles mais rígidos com o passar do tempo? Quem resiste — sou eu? Os meus fios? A falta de mãos habilidosas?

As tentativas de trançar meus cabelos tomaram tempo e me colocaram de frente com essa e outras frustrações. Afinal, que tempos são estes em que vivemos? Quais são os resultados das tramas engendradas? O que tem nos feito a cabeça?
Parece que arquitetam — os sem fios na cabeça — algo que nos afeta e esculhamba os nossos fios. Eles têm mãos habilidosas e desfazem, com a maior rapidez, tranças arduamente construídas. Eles não deixam fios sobre fios.

Volto ao espelho e me transporto na minha ancestralidade em fuga e, junto deles e delas, me vejo de cabelo em pé. Sinto os fios arrepiados e conectados ao medo — ao medo da guerra fria, gélida, que pede um tempo. Então me vejo na dor das vidas que tombaram e que deixaram as mãos vazias e sedentas de um novo toque, de mais tempo de afago nos cabelos. Vejo-me na escuridão que atravessa caminhos incertos e margeia a inóspita civilidade. Com eles choro a dor do mundo armado e arramado. O mundo das fronteiras que cortam tranças e laços, levando irmandades como cabelos ao vento.

Trançar o tempo e uma nova mentalidade parece, então, uma questão de sobrevivência e de ética com nossos antepassados — de reverência aos que resistiram, aos que tombaram, aos que nos ensinaram a paz. Trancemos recomeçando pelas nossas cabeças, pelas nossas mãos acalentando outras cabeças. Talvez tenhamos mais tranças e mais entrelaços e, sim, mais tempo de paz.

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