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Balneário Camboriú
Raul Tartarotti
Raul Tartarotti
Engenheiro Biomédico e cronista.
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Duas eternidades de escuridão

O mais belo dos arcanjos mostrou o risco da valorização da beleza, ao se tornar um ser que insistiu com a ideia do eu, em detrimento de nós, desenvolvendo a vaidade pela primeira vez. O nome dele é Lúcifer.

Ao se olhar no espelho, se achou bonito, e como portador da Luz, se achou mais bonito que os outros. Sentindo-se individuado chegando ao ponto de dizer eu, quebrou o ritmo da criação, que havia sido concebida como nós.

Porque todos seres criados eram nós, e esse demônio se achou melhor que os outros, e se tornou tão pesado, que caiu, segundo uma tradição, no golfo de Nápoles.

Ele entrou em combate com dois terços dos anjos restantes, liderados pelo anjo Miguel, que vem do ebraico  Micha’el, que significa, “aquele que é similar a Deus”.

E o demônio caiu no inferno, vencido por Miguel, e de lá disse a seu auxiliar: “Prefiro ser Senhor do Inferno a ser escravo do céu”.

A partir desse pecado de Lúcifer, surge a vaidade universal. E essa mudança de pensamento lembra aquele soldado russo artilheiro, que retornou da guerra do Afeganistão nos anos 1980, cuja narrativa está escrita no livro “Os meninos de Zinco” de Svetlana Aleksiévitch: – Aquela pessoa que você amava, se foi. Sou outro. Eu sou outro. Mesmo assim, eu gosto daquele homem de antes…Sinto saudade dele…Lembro dele….Mas agora sou outro. 

É claro que esse guerreiro mudou sua mente por causa de sua imensa ruína interior vivida no pós guerra, muito diferente da batalha vaidosa de Lúcifer.

Olhar o sofrimento do outro é imaginar essa dor segundo nossos valores e referenciais. Enfrentar uma limitação quando somos adultos, é olhar a ameaça de não poder mais experimentar todos os prazeres vividos até então.

Seria possível viver privado dos prazeres alimentados pela vaidade? Não seria melhor morrer? O escritor japonês, Kenzaburo Oe pensou nisso, quando teve um filho que nasceu com má formação cerebral. Quis rejeitá-lo, mas após muitas cirurgias o menino Hikari, que significa “Luz”, passou a sofrer de epilepsia e vive num mundo silencioso.

Durante anos ouvindo música clássica, Hikari aprendeu a tocar piano sozinho, tornando-se rapidamente best-seller da música.

Nesse limiar do fio de nylon, afiado e transparente está sua jornada, desde a infância, por vezes acolhida e recebida a uma linda caminhada.

Como escreveu Vladimir Nabokov, “Nossa existência não é mais do que um curto-circuito de luz entre duas eternidades de escuridão”.

Alguns desabrocham talentosos tardiamente, e acabam por sofrer a falta de uma ajuda peculiar, que poderia ter servido de berço, a esse indivíduo esperançoso.

Você não quer estar sozinho nesse meio, por isso avance em suas proposições e viagens emocionantes, outros aguardam por indivíduos inspiradores e que façam brilhar suas próprias caminhadas lentas e sem sentido.

Andar em círculos atrás de sua própria sombra, não dá eco, se o resultado de seus esforços não aparecer a seus olhos, deixe ir, leve para além de você o que não vingou, assim não corre o risco de sentir saudades.

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