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Página 3 entrevista: Escritores Rosani Abou Adal e Enéas Athanázio falam sobre o futuro da literatura no Brasil

A escritora, jornalista, poeta e editora Rosani Abou Adal, responsável pelo jornal literário Linguagem Viva (que é publicado há mais de 30 anos), esteve em Balneário Camboriú pela primeira vez na última semana, a convite do amigo de longa data, o escritor catarinense, ensaísta e crítico literário, Enéas Athanázio, que é também colunista do Jornal Página 3 há quase 30 anos. 

Foto Renata Rutes

Os dois escritores receberam a repórter do Página 3, Renata Rutes, para um bate-papo sobre literatura e seu futuro no Brasil. Acompanhe:

JP3: Rosani, começa nos contando como surgiu a sua amizade com o Dr. Enéas?

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Rosani: Foi por carta na década de 80, eu não lembro ao certo o ano, se foi um pouco antes de eu começar a fazer o jornal, ou depois… eu comecei a fazer o jornal em setembro de 1979. Vamos fazer 34 anos em setembro, com o Enéas colaborando ao longo desses anos todos.

JP3: Vocês se encontram pessoalmente com frequência?

Enéas: De vez em quando a gente se encontrava em algum lançamento, mas era com tanta gente junto que a gente não conseguia conversar. Essa foi a primeira vez dela aqui na nossa cidade, em Balneário Camboriú.

Rosani: E é uma cidade linda. Eu conheci a Praia Central, andei até perto da roda gigante, voltei. Vou conseguir passear bastante. Sou de São Paulo e lá é totalmente diferente.

JP3: Nesses 34 anos só de jornal, como você vê a diferença da literatura no Brasil?

Rosani: O autor independente ainda tem que pagar pelo seu livro, isso não mudou. A gente continua a mesma coisa. Poesia ninguém valoriza. O poeta não precisa comer, não precisa se alimentar, não precisa de mais nada. Ele vive do vento, ele não precisa ganhar um cachê para se apresentar. A trajetória da literatura não é fácil para quem começa. Eu estava em um evento lá em São Paulo, aí veio um mocinho, ele disse que estava escrevendo um romance e queria saber como arrumava uma editora para publicar, etc. E, bem, geralmente nós temos que pagar o primeiro livro. Falei: “primeiro você tem que registrar na Biblioteca Nacional o seu livro para assegurar os seus direitos autorais, participar de concursos para ver se você consegue publicar o romance”, e normalmente com romance você tem uma facilidade maior para ser editado. Poesia, esqueça, só os grandes nomes… e tem muitos grandes aí que a gente sabe que pagam também para publicar os seus livros.

Foto Renata Rutes

JP3: A escrita independente no Brasil tem muita qualidade. Como você analisa, o fato de que, de certa forma, é até uma injustiça esses escritores não conseguirem acessar o grande público?

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Rosani: Realmente… e mesmo os grandes nomes não têm acesso na mídia. São poucos os veículos que estão de portas abertas para receber os escritores. Televisão então, piorou. Você não tem um programa de televisão, um noticiário que fala de lançamento de livro, mas não digo falar só dessas porcarias que estão por aí, desses livros de autoajuda e etc, digo ter espaço para os poetas. O meu jornal, por exemplo, o Linguagem Viva, eu pago do meu bolso pra fazer.

JP3: O seu jornal em papel sobrevive 34 anos, divulgando a literatura independente não só nacional, mas também de outros países…

Rosani: É muito importante. É uma resistência. Quando o meu sócio faleceu, no início dos anos 2000, eu falei que iria parar, porque achava que não tinha condições de fazer sozinha. Mas, naquela época, eu tinha um carro e eu ia na transportadora para buscar os jornais, e veio um senhor chamado José, que era um carregador, e ele disse que precisava me cumprimentar, porque todo mês ele lia a primeira e a última página do jornal, mas que havia sido publicado um artigo sobre a poeta favorita dele. Então, enquanto existir um José, com fome de leitura, eu vou continuar resistindo. No mês passado eu publiquei um livro de uma professora, com a participação dos alunos dela, coloquei o nome de todas aquelas crianças e dei um exemplar do jornal para cada um, e a professora gravou todos gritando, me saudando… e são esses os nossos futuros leitores, sementes que a gente está plantando para um futuro melhor do nosso país, mais digno.

JP3: Como o senhor vê a importância desse jornal que trata diretamente da nossa literatura brasileira, estar resistindo há tanto tempo?

Enéas: Ah, para nós é uma alegria. É um canal de comunicação, porque quase não temos mais. É uma beleza. A publicação dos artigos da gente é muito boa, tem uma repercussão boa, as pessoas se manifestam, a gente recebe comentários. Então, o trabalho da Rosani é fora de série, é uma coisa admirável. Eu não sei como é que ela aguenta. Eu tive um jornal que eu consegui manter por dez anos, mas foi duro, sabe, foi difícil, complicado. O Página 3 não durou o impresso, infelizmente. No Página 3 eu já estou há muito tempo, desde 1997, toda semana. 

JP3: Balneário tem alguns escritores, um pessoal bem engajado e caso algum deles queira publicar no seu jornal, o que precisa fazer?

Rosani: Primeiro tem que ter um bom conteúdo, né? Eu publico pessoas não conhecidas, mas tem que ter uma qualidade literária. Se mandar um poema cheio de erros, já está descartado, já é eliminado, não precisa nem bater o olho assim, faz aquelas leituras dinâmicas. Você já vai ali, começa de cima, vai embaixo, que é o ponto da leitura, né? De cima para baixo, até no canto de cá. Se eu bater o olho, encontrar um erro, nem perco o tempo de continuar. O mínimo que uma pessoa tem é fazer uma concordância.

JP3: Como você vê o futuro do livro impresso?

Enéas, Rosani e Jandira, esposa do escritor (Foto Renata Rutes)

Rosani: Ah, não vai acabar. Não vai acabar. As gráficas, os donos da economia, o pessoal do papel… os donos desse poder não vão deixar acabar o livro. E os jovens se interessam pela literatura, pela escrita. Eu vou muito na periferia em São Paulo, tem um sarau da Casa Amarela, com um nível maravilhoso de jovens escritores que vão ali. Teve um ano que eu fui num Carnaval fazer um debate sobre literatura alternativa, e os jovens de 14, 15 anos lá em pleno sábado de carnaval, domingo de carnaval discutindo, entendeu? Está cheio de talento por aí que passa despercebido e eu acho que o bom leitor não deixa do livro impresso.

Enéas: É, eu tenho dificuldade com o digital. Eu não aguento. Tem livro de 400 páginas, é um calhamaço. Como é que vai ler aquilo na tela? Não tem jeito, né? Não tem condições.

Enéas: A Rosani também é poeta. Precisamos falar um pouquinho da poesia…

Rosani: A minha poesia é toda engraçada. Ela tem um senso social forte. A ecologia também é uma veia forte no meu trabalho desde o primeiro livro. E o meu novo livro, o Sonho Ilusório, ele tem um poema que retrata a solidão, o bife regado ao crack e por aí vai. É a porrada, a realidade. É uma pergunta que sempre me fazem: existe algum abismo do escrever jornalístico e do escrever poético? E o meu livro anterior a esse, que é o Manchetes em Versos, são poemetos, são verdadeiras manchetes de jornalismo. Até quem me sugeriu o título foi o Raimundo Farias de Oliveira. Eu comecei a ler alguns poemas para ele, e ele falou, ‘poxa, esses seus poemas são verdadeiras manchetes, né?’, aí eu peguei, matei na hora, falei, ‘Manchetes em Versos’. Então está aí a aproximação do jornalismo com a literatura. Eu trabalho muito assim – fotografo e vou escrever sobre isso, um gatinho que estava comendo a pomba que tinha morrido atropelada, criança vendendo lixa de unha, que se não vender, quando chega em casa e não levar dinheiro, apanha. Isso é o fato, né? O Sonho Ilusório é um poema todo de denúncia, de crítica ao sistema que está aí – a corrupção da política, a desigualdade de gêneros, de salários entre homens e mulheres, a devastação do planeta. Eu escrevi ele deitada na cama, acordando, foi no começo do ano, eu falei assim – “mas não pode ser… só pode ser ilusão”, e aí ficou o refrão do poema. “Ilusão, só pode ser ilusão”. 

Enéas: Mas eu vejo que a Rosani foi sempre para a poesia livre. Você nunca praticou a poesia clássica, métrica? Nunca?

Rosani: Tem só um poema aí, que é o Salário do Cão Chupando Manga, que eu fiz todinho com rima. O importante na poesia é o ritmo. E quando uma pessoa vai fazer leitura de um poema, todos pecam no ritmo. Não obedecem as pausas de vírgulas, de pontos para a respiração do poema. E o poema tem que vir daqui, da alma, do ventre, você tem que sentir o poema quando você está falando. 

JP3: Diante disso como você vê o futuro da literatura no Brasil, desde poemas, livros, futuros leitores?

Rosani: Eu acho que ainda há muito interesse e está sendo incentivado. Eu acho que a gente tem muito para resistir e lutar na construção de mais leitores, na reconstrução de leitores que a gente está perdendo. É uma luta que não tem fim. 

JP3: O espaço fica aberto para você acrescentar o que quiser…

Rosani: Eu estou na vice-presidência do Sindicato dos Escritores do Estado de São Paulo. Nós reativamos o Sindicato, conseguimos colocar a documentação em dia, porque nós acreditamos na literatura, no escritor. E o meu sonho é conseguir abrir uma Federação. Não temos mais o Sindicatos dos Escritores no Rio de Janeiro, só tem ativo de Brasília e São Paulo. Precisaria abrir mais um sindicato em outro estado para se poder fazer a federação, porque você tem que ter três sindicatos para fazer a federação. A profissão do escritor consta no Ministério do Trabalho. O escritor é considerado um escritor de ficção e de não-ficção, mas a profissão não é regulamentada, ela é reconhecida. 

Enéas: Oswald de Andrade é que dizia que o escritor no Brasil não é profissão, tanto que ele escreveu um livro no fim da vida, Um Homem Sem Profissão, que é o único volume de memórias dele.

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