Rio poluído, cidades afetadas: a crise de saneamento em Balneário Camboriú e Camboriú

Problemas com o saneamento causam danos ambientais e problemas de saúde em Balneário e Camboriú

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Camboriú e Balneário Camboriú, duas cidades, mãe e filha, que dividem o mesmo rio – a água que mata a sede da população, a fonte da vida… 

Os dois municípios se aproximam cada vez mais de vivenciarem uma crise hídrica que, segundo estudos desenvolvidos pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali, pode apresentar sinais já a partir de 2025.

O cenário não é nada favorável: o Rio Camboriú está poluído e praticamente morto, com trechos onde já não há oxigênio. O cerne da situação são os milhares de litros de esgoto jogados no rio diariamente – pelas duas cidades: Camboriú não possui tratamento de esgoto e Balneário Camboriú enfrenta um grave problema em sua Estação de Tratamento de Esgoto (ETE).

Moradores de Camboriú relatam dificuldades

Córrego no Bairro Cedros incomoda os vizinhos, e as pessoas ainda jogam lixo no local (Foto Renata Rutes)

O comerciante Rubens Paulo dos Santos é morador do Bairro Cedro há 23 anos. Na frente da casa e do comércio dele há um córrego ou um verdadeiro esgoto a céu aberto, que em dias de chuva chega a transbordar, na Rua Oclaudio Nicolau da Silva, em Camboriú.

Isso sempre foi um problema. Já tentamos falar com a prefeitura, dizem que tem projeto para fazer uma galeria, mas isso já faz mais de 10 anos. Até agora, nada. O cheiro é muito forte. Quando chove, lava, mas se fica muito tempo sem chover… é insuportável. É ruim para todo mundo e incomoda bastante.

Rubens Paulo
Obra de saneamento parece um sonho distante, mas comunidade ainda tem esperança (Foto Renata Rutes)

Rubens comenta que nesses mais de 20 anos que mora no local, escuta a cada governo municipal que passa que algo vai ser feito – mas lamenta que na prática não viu nada acontecer.

“Estamos esperando para ver. Prometem quando tem eleição, depois passa e já era. Só promessa, infelizmente. Temos esperança, né? Mas se vão fazer, a gente não tem certeza. É um problema até de saúde, porque ali fica podre e, mesmo com placas proibindo, ainda jogam lixo. Não tem fiscalização também. Enquanto Balneário é a Dubai brasileira, aqui nem esgoto a gente tem”, acrescenta.

O professor de Educação Física Alexandre Diogo Adamy, que atualmente trabalha na Fundação Municipal de Esportes de Camboriú, mora no interior de Camboriú, na chamada localidade da Toca. Ele enfrenta uma situação dupla: além de não ter esgoto, na área também não há água encanada (ele contou que pega água de uma cachoeira que há nas proximidades).

A falta de saneamento básico em Camboriú é um problema preocupante, pois se estende por anos a promessa da implantação da rede coletora de esgoto. Poderíamos amenizar em muito os gastos com saúde pública e no tratamento da água. A solução talvez fosse um convênio com Balneário Camboriú para esse tratamento, o que beneficiaria ambas as cidades. Esse investimento poderia ser cobrado na taxa de esgoto.

Alexandre Diogo

… e em Balneário Camboriú também

Mesmo sendo uma situação diferente e Balneário Camboriú tendo tanto água potável quanto coleta (quase 100% – faltando finalizar a obra em dois bairros, Estaleiro e Estaleirinho) e tratamento de esgoto, a cidade vive um dilema com a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) da Emasa que, ainda em 2020 identificou bolhas no tanque de aeração, porque houve um rompimento da geomembrana, com possíveis danos ao lençol freático e consequente falha na eficácia do tratamento de esgoto.

Gases criaram bolhas na manta de impermeabilização da ETE da Emasa, prejudicando a situação do esgoto da cidade (IMA SC)

Diante disso, moradores apontam que o Rio Camboriú, na Barra Sul, diariamente exala um ‘cheiro terrível’, como descreve a empresária que preferiu se identificar somente como C.D.A.. A mulher, que tem 36 anos, mora em um apartamento avaliado em R$ 6,5 milhões, com o marido e o filho. Apesar do alto padrão do imóvel, ela conta que é um desafio viver próximo ao Rio Camboriú.

“Há dias em que o cheiro incomoda muito, mesmo. Sabemos que o mangue tem cheiro característico, mas o cheiro que vem é de esgoto. Como não foi sempre assim, eu e meu marido buscamos nos informar sobre o que estava acontecendo, e temos certeza que é por conta do esgoto. Esperamos que Balneário consiga resolver logo e que Camboriú também faça a obra de saneamento. Já é um problema ambiental, e pode piorar cada vez mais, vindo a impactar economicamente, turisticamente e até algo de saúde pública”, analisa.

Imagem feita em fevereiro mostra mancha vindo de área de despejo de resíduos da ETE (Reprodução Leitor)

A estudante Natália de Sá, de 21 anos, mora próximo da ETE, localizada no Bairro Nova Esperança, e explica que não fazia ideia, quando fechou o aluguel, que teria tanta ‘dor de cabeça’ por conta do ‘vizinho’.

É difícil. Todo mundo reclama. Felizmente o apartamento não é meu e já penso em me mudar e talvez não renovar o contrato. Entendo que realmente é o lugar onde tratam esgoto, mas é muito ruim, bem difícil de conviver”.

Natália de Sá

Possível problema de saúde pública

Como citado pela moradora de Balneário, a problemática do Rio Camboriú pode de fato estar associada a problemas de saúde pública – como a diarreia, que entre as principais causas está o consumo de alimentos e/ou água contaminada. A doença, em casos mais graves, pode levar uma pessoa à morte e é uma das cinco principais causas de morte de crianças menores de cinco anos no mundo (segundo a OMS, provoca mais de mil mortes por dia).

Número de casos de diarreia nas duas cidades; causa da doença pode ter relação com água contaminada (Reprodução Página3)

De acordo com dados da Secretaria de Saúde de Camboriú, até o dia 03 de outubro, a cidade registrou 1.171 casos de diarreia – com maior incidência em adultos (somente 60 crianças); já em Balneário, o número de casos atendidos na UPA do Bairro das Nações e no PA do Bairro da Barra (que atendem moradores de Balneário e cidades vizinhas) é de 4.869 (até setembro).


Camboriú: obra de saneamento básico pode estar próxima

O assunto saneamento básico é frequentemente debatido em Camboriú – seja na Câmara de Vereadores, que conta com uma frente parlamentar para tratar do assunto (criada ainda em 2021), como também pela prefeitura, que debate diretamente com a Águas de Camboriú, concessionária responsável pelos serviços de água, e futuramente coleta e tratamento de esgoto de Camboriú, que possui interesse em tocar a obra de saneamento básico da cidade.

Camboriú se prepara para enfim iniciar a esperada obra de saneamento (Foto Prefeitura de Camboriú)

O secretário de Saneamento Básico de Camboriú, José Pedro Costa, pontua que o esgotamento sanitário é fundamental para o desenvolvimento de Camboriú e também de Balneário e que neste momento o projeto está em fase final de análise na Agência de Regulação de Serviços Públicos de Santa Catarina (ARESC).

“Estamos evoluindo nas tratativas. As negociações estão bem adiantadas, estamos confiantes que daremos início a essa obra. Estamos tratando desse assunto com muito empenho e muita dedicação. Em breve teremos novidades. Será importante para todos, gerando mais saúde, mais qualidade ambiental, mais investimentos e qualidade de vida”, diz.

O vereador John Lenon Teodoro, que preside a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Saneamento em Camboriú, pontua que o tema saneamento básico já foi alvo de audiências públicas e reuniões com a comunidade e organizações da sociedade civil, e que com a Frente Parlamentar desde 2021 visam ‘mostrar a força do Legislativo e da comunidade’, para que a obra finalmente saia do papel.

“Meu objetivo na Câmara sempre foi sensibilizar o poder público e fortalecer o movimento da sociedade porque a problemática do Rio Camboriú estando poluído traz inúmeros problemas. Tivemos adesão de todos os vereadores, OAB, Instituto Federal Catarinense, Associação Empresarial (Acibalc), Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL), Comitê do Rio Camboriú, Sinduscon, dentre outras, que junto conosco defendem que a obra do saneamento é uma agenda de cidade, uma prioridade”, diz.

Camboriú tem Frente Parlamentar que luta pelo saneamento básico na cidade (Foto Câmara de Vereadores de Camboriú)

John lembra ainda que a Aresc e o Ministério Público participaram dos encontros e então estreitaram o diálogo com a prefeitura de Camboriú e com a Águas de Camboriú, para assim decidir a melhor alternativa e conseguir iniciar a obra ainda em 2023.

“Eu acredito nos esforços para fazer isso acontecer. Pode ser que ainda neste ano tenhamos boa notícia, essa é a expectativa, pelo trabalho feito com a sociedade civil, Frente Parlamentar, dos moradores, que nos questionam constantemente… há muitas pessoas desacreditadas, mas eu acredito e espero que, mesmo o atual governo estando no sétimo ano de mandato, vão se sensibilizar e não vão medir esforços para proteger e despoluir o nosso rio, assim garantindo água, saúde, qualidade ambiental e até mesmo podendo ser uma fonte de renda ligada ao turismo”, acrescenta.


Águas de Camboriú também busca iniciar a obra, que é uma demanda urgente

A presidente da Águas de Camboriú, Reginalva Mureb, conta que percebe, por parte dos moradores de Camboriú, uma ansiedade imensa em busca de uma solução para a questão do esgotamento sanitário no município.

“Estamos aqui desde 2016, mas pelo contrato essas obras não foram transferidas à concessionária, então nós tivemos que aguardar uma decisão do Poder Executivo sobre transferir ou não para a concessionária essas obras. Solicitaram estudos, nós fizemos e entregamos, para que possamos efetivamente assumir. Estamos prontos para isso, mas temos que ajustar o contrato”, pontua.

Reginalva aponta que há um visível ‘receio’ por parte do governo municipal de Camboriú quanto a necessidade de haver um aumento na tarifa dos moradores, mas que esse acréscimo não é significativo – seria aproximadamente, segundo ela, R$ 10,00 na tarifa básica a cada dois anos.

“O que notamos é que os moradores querem o serviço e estão dispostos a pagar, e não vai onerar demasiadamente a população, assim como já paga-se lixo e abastecimento de água, seria mais um serviço a ser pago, mais um retorno do ponto de vista de saúde, desenvolvimento da cidade e até para destravar projetos para Camboriú e aquecer a construção civil, bem como proteger o Rio Camboriú, ressuscitar esse corpo hídrico maravilhoso, e futuramente até poder utilizá-lo para lazer, pesca e turismo, como era no começo”, acrescenta.

Águas de Camboriú destaca a urgência do saneamento para futuro do Rio Camboriú (Foto Renata Rutes)

A presidente diz ainda que possuem condição de investimento, know-how para operar, como já fazem em boa parte do país, atendendo mais de 30 milhões de pessoas, e agora precisam esperar a resposta da Aresc e prefeitura. A expectativa é que até o fim deste ano de 2023 já seja possível começar a trabalhar as licenças e a área que vão adquirir para a construção da ETE. A previsão é de que contando quando as obras iniciarem, em quatro anos, 40% da população de Camboriú já esteja com esgotamento sanitário – e a cidade toda em ‘no máximo 10 anos’, segundo Reginalva.

“Hoje, infelizmente, 100% do esgoto de Camboriú vai para o rio e queremos mudar essa realidade. Temos uma população de mais de 100 mil pessoas, Camboriú vem crescendo muito, e precisa crescer com sustentabilidade. Eu estive na última limpeza do Rio Camboriú, neste ano, e retiramos colchões, muito plástico… não há condição, precisamos resolver essa questão crítica e reverter a ‘morte’ do Rio Camboriú, que está na UTI porque falta oxigênio”, completa.

Limpeza do Rio Camboriú acontece todos os anos e sempre tira muito lixo (Foto Renata Rutes)

Crise hídrica e Parque Inundável x saneamento

Aline Antunes é engenheira ambiental e consultora do Instituto Água Conecta, entidade executiva dos Comitês de Bacia do Agrupamento Leste de Santa Catarina (Camboriú, Itajaí, Tijucas e Biguaçu, Cubatão e Madre). Ela acompanha há anos a situação do Rio Camboriú e pontua que o atual momento, com os problemas de saneamento enfrentados pelas duas cidades, é ‘bastante delicado’. 

Parque Inundável é obra importante para solucionar a futura crise hídrica que a região pode viver (Foto Divulgação)

A consultora lembra que o saneamento possui quatro eixos: 1) resíduos; 2) abastecimento de água; 3) tratamento de esgoto; e 4) drenagem. Aline aponta que os dois municípios precisam investir na parte de triagem e separação de resíduos, mas que a maior preocupação é com os recursos hídricos – principalmente com o projeto do Parque Inundável, que aguarda a Licença Ambiental de Instalação (LAI) por parte do IMA (Instituto do Meio Ambiente); quando construído, o futuro Parque, orçado em R$ 200 milhões, deverá funcionar como bacia de detenção para amortizar vazões de cheias e amenizar inundações, reservando água para os períodos de estiagem e alta temporada, suprindo a demanda do consumo local. 

“Estamos em um momento bem arriscado porque 2025 está aí e esse é o limite dado por estudos científicos. E quando o assunto é esgoto, infelizmente, só piorou. A ETE de Balneário está com 65% de eficiência, justamente para esse município que arrecada tanto e é uma potência turística… é inadmissível e foi questão de desleixo. E Camboriú, até hoje, o esgoto não foi implantado – precisa também de sistema descentralizado para as áreas rurais, fizemos capacitação na Semana da Água, no IFC, em setembro, e falamos sobre isso, apresentando cases de sucesso como em Jaraguá do Sul, com fossas ecológicas, que praticamente não têm resíduos. Vejo que basta querer, falta vontade política”, diz.


Os problemas enfrentados por Balneário Camboriú

Balneário Camboriú viveu situação complicada no último verão, com Praia Central imprópria para banho (Foto Rodrigo Gonçalves)

Balneário Camboriú é conhecida por ser a capital do turismo catarinense e já foi chamada de muitos nomes – Copacabana do Sul, Miami, Mônaco e mais recentemente, Dubai brasileira. A cidade, que é a segunda menor em extensão territorial de Santa Catarina (atrás apenas de Bombinhas) enfrentou problemas de balneabilidade em sua Praia Central na última temporada de verão – por conta da poluição do Rio Camboriú, que desagua diretamente na praia, atrelada à falta de saneamento de Camboriú, mas também pelos problemas enfrentados na ETE de Balneário, localizada no Bairro Nova Esperança. 


ETE foi construída com orçamento de R$ 23 milhões na época

A ETE de Balneário Camboriú; foto de julho de 2023. (Foto Ivan Rupp)

O engenheiro civil e empresário do ramo de saneamento, construção civil e alimentícia, Ney Emílio Clivati, foi diretor geral da Emasa de 2009 (quando foi elaborado o Plano de Saneamento) a 2011 (lembrando que nesta época a cidade também enfrentou excesso de poluição no mar, quando a nova ETE estava sendo construída) – ele acompanhou a construção da ETE, quando na ocasião foram feitos, segundo ele, 57km de rede, com investimento na época de R$ 23 milhões, em três anos de obra. Ele diz que conhece o sistema de Balneário ‘de cabo a rabo’ e que também conhece Camboriú. Clivati salienta que reconhece que é muito difícil de se tratar esgoto, porque tem a matéria orgânica ativa que não está estabilizada.

“Lembrando que há três fases – coleta, transporte e tratamento. Balneário pode dizer que coleta o esgoto, mas não está tratando com eficiência. Já Camboriú, não tem nada de coleta, mas fazem o tratamento com fossa, sistema que é utilizado em muitos países, como Japão e parte da Europa, por exemplo. Como é feito em Camboriú, com fossa e filtro, dá eficiência de 60% da retirada da poluição. Considerando isso, hoje Camboriú está acima de Balneário. Porém, Balneário poderia contestar que fossa e filtro não dá eficiência de 60%, mas para verificar isso somente se fosse de casa em casa”, aponta.


Culpar somente Camboriú é uma fuga”

Clivati diz que o esgoto de Camboriú se dilui em um corpo hídrico grande – o Rio Camboriú – e que chegou a pagar um teste de oxigênio (TOD) e que o índice básico na área de Camboriú mostra níveis muito baixos – o teste teria revelado que antes do Rio Peroba, o nível de oxigênio era extremamente baixo, apenas 12, e como Balneário também enfrenta problemas com o esgotamento, pode haver pontos com um índice ainda menor de oxigenação. Porém, como o Rio Camboriú tem uma vazão de 1600 metros cúbicos por segundo e uma capacidade total de, em média, 3600 litros por segundo, o esgoto dilui-se.

“Vejo que culpar somente Camboriú é uma fuga, uma maneira de encobrir verdades. Camboriú não tem transporte, mas tem tratamento. Pode-se contestar que é precário, mas não dá para dizer que não fazem nada. Já Balneário coleta, transporta até a ETE, mas não tratamos, praticamente não temos mais ETE. Mas é lógico que isso não exime Camboriú, que precisa fazer a sua obra de tratamento de esgoto”, opina.

Comunidade também precisa colaborar com o Rio Camboriú (Foto Renata Rutes)

O engenheiro acrescenta que Balneário joga esgoto ‘praticamente in natura’ no rio (Clivati apontou que há pontos de esgoto ‘clarificados’, que na verdade seriam ‘um cinza horroroso, com matéria não estabilizada e ainda cloreto de alumínio’, em locais como Ribeirão Pedro Pinto Corrêa, assim como Rio das Ostras, perto da Tedesco Marina e na saída da ETE, que fica perto do ExpocentroBC) e que até 2019 a cidade tratava quase 100% do esgoto coletado.

“Mas por incompetência e má gestão, deu esse problema na ETE. O que existe hoje é um remendo, usando polímeros e policloreto de alumínio nessa massa que chega, como se tivesse uma piscina suja e jogasse floculante para transformar em flocos maiores e retirar a sujeira, que é o que estão fazendo, mas esse esgoto não está estabilizando, e estão somente retirando e colocando em bags, com déficit de oxigênio altíssimo, criando um problema ambiental terrível para a cidade. Tudo isso por má gestão, uma incompetência generalizada e assustadora”, completa.


Diretor da Emasa diz que ETE de Balneário tem eficiência de, em média, 65%

“O Rio Camboriú, como já noticiado, é um dos mais poluídos do mundo, e esse problema se dá por uma série de fatores, especialmente pelo fato de não existir rede coletora de esgoto em Camboriú” – essa opinião é do diretor da Empresa Municipal de Água e Saneamento de Balneário Camboriú (Emasa), Douglas Beber, que reconhece que a ETE de Balneário também enfrenta um momento ruim e que por anos existiram em Balneário ligações de esgoto irregulares, além da insuficiência da rede coletora.

“Mas foi um processo que de alguns anos para cá conseguimos otimizar. Melhoramos muito com o reforço de rede, novas redes coletoras de esgoto, aplicação de multas, lacres em ligações irregulares, fiscalização intensa. Desde o começo de 2023 também estamos fazendo uma série de melhorias, até o momento foram investidos R$ 7 milhões, com o novo decantador, que está em fase final, mais o empréstimo de R$ 50 milhões, para a outra fase da obra”, explica.

Segundo diretor da EMASA, ETE de Balneário tem 65% de eficiência (Foto Ivan Rupp)

Desde que foi exposta a situação da ETE de Balneário, foi firmado um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) junto ao Ministério Público, que vem sendo cumprido pela Emasa. Douglas detalha que houve melhorias no tratamento preliminar, que antes estaria sendo feito de maneira manual e que também melhoraram a estação de tratamento de lodo, intensificando o tratamento químico para suprir a ausência do tratamento da lagoa (onde houve o problema), além de, segundo ele, mensalmente fazerem limpeza nos dois decantadores.

“Tudo isso gera uma melhora na eficiência do tratamento que, em média, chega a 65%, mas tem dias que dá menos, outros mais, variando entre 55 e 75%. Estamos fazendo praticamente uma nova ETE, com tanques, e que, seguindo o cronograma, deverá ficar pronta em novembro/2024 (a cidade precisa ainda de liberações do Instituto do Meio Ambiente de SC – IMA SC). Até o fim deste ano, para a temporada de verão, já estará na metade e esperamos chegar na eficiência de 80% de tratamento de esgoto, para atender a legislação e devolver um esgoto em ainda melhores condições para o rio”, afirma.

ETE de Balneário Camboriú passa por problemas (Foto Gabinete Vereador Lucas Gotardo)

Douglas nega que Balneário despeja esgoto in natura no rio

Questionado pelo jornal se hoje Balneário Camboriú despeja esgoto no Rio Camboriú, Douglas diz que ‘sim e não’, pontuando que o esgoto que é despejado vem da ETE e lá é tratado, e que isso [o tratamento] nunca deixou de acontecer.

Balneário Camboriú segue investindo em saneamento básico (Foto Emasa)

“Não procede que tem esgoto in natura no Rio Camboriú vindo da Emasa, temos laboratório que comprova isso. Porém, é claro que se você fizer coleta no rio, vai constatar que tem esgoto, porque vem de Camboriú, então óbvio que vai ter esgoto in natura. Mas se fizer coleta no tratamento final da nossa ETE, vai se perceber que lá não tem esgoto que não é tratado. Não tem isso de despejar esgoto in natura, não tem uma torneira na ETE que despeje o esgoto in natura”, pontua, informando ainda que a ETE tem uma ‘saída emergencial’ em caso de problema na estação, que é chamada de bypass, mas que esse material vai para lagoas facultativas, que não estão em funcionamento, e não para o Rio Camboriú.

Amostra coletada pelo vereador Lucas Gotardo, ainda em 2022, mostra que água saia da Emasa suja (Foto Gabinete Vereador Lucas Gotardo)

Obra de saneamento de Camboriú é necessária, sobre saúde pública e desenvolvimento econômico

O diretor da Emasa aponta que ‘o cerne do problema’ do Rio Camboriú é, ‘com certeza absoluta’, Camboriú. Ele aponta que Balneário Camboriú, historicamente, sempre investiu em saneamento básico, desde a época que a Casan (Companhia Catarinense de Águas e Saneamento S/A) tocava o saneamento da cidade, na década de 1980, quando a cidade já era referência para os municípios vizinhos. Douglas afirma que Balneário vai se tornar 100% saneada ainda neste ano, e que estão há dois anos fazendo a obra de saneamento no Estaleiro e Estaleirinho, que está sendo finalizado.

“O nosso esgoto sempre saiu 90% melhor do que entrava, hoje sai 65% melhor. Então, por óbvio, que o problema central do Rio Camboriú é a falta de rede de esgotamento sanitário do município de Camboriú. Balneário pode ter o tratamento mais avançado, que trate 99,9% de eficiência, mas mesmo assim o rio continua poluído pelo fato de que todos os dias são despejados milhões de litros de esgoto vindos de Camboriú. Essa crítica não é no sentido de falar mal e sim de chamar a atenção porque é uma necessidade, é sobre saúde pública, turismo, desenvolvimento econômico. Camboriú precisa tomar uma medida, trata-se de um investimento significativo e necessário”, finaliza.


Balneário Camboriú tem Política de Segurança Hídrica

Na foto, o vereador André Meirinho próximo ao Rio Camboriú (Gabinete André Meirinho)

Desde setembro/2021 Balneário Camboriú tem uma lei sobre Segurança Hídrica e Desenvolvimento Sustentável, projeto do vereador André Meirinho, com base no Plano de Recursos Hídricos apresentado pelo Comitê da Bacia do Rio Camboriú, que contempla desde ações de despoluição do Rio Camboriú como também de disponibilidade hídrica (onde entra a obra do Parque Inundável, a ser construído em Camboriú, e ainda outras opções como água subterrânea e até dessalinização da água do mar) e ainda prevenção e mitigação de desastres (como o armazenamento de água em cheias, uma função do futuro Parque Inundável). Ainda há previsão da criação de uma Câmara Técnica, vinculada ao Conselho da Cidade – mas desde que o PL foi aprovado, em 2021, isso não saiu do papel.

“Ou seja, já foi definido o que deve ser prioridade, os caminhos, as regras… tudo isso já tem, mas faltam as atitudes. Lembrando que tratamos apenas de Balneário, não podemos falar de Camboriú, mas sem dúvidas a cidade vizinha também precisa fazer a sua obra de saneamento. De efetivo praticamente nada foi feito nesses oito anos, pelo prefeito Elcio Kuhnen. Eu estive em Jaraguá do Sul e lá eles são referência no tratamento de esgoto – possuem um território 11 vezes maior do que Balneário e hoje tem mais de 90% da cidade coberta – começaram a obra em 1998, saíram do nada, e já chegaram em 90%, porque deram prioridade e saneamento precisa ser uma prioridade”, pontua.

Vereador Meirinho, na ponta esquerda, em visita na ETE (Gabinete André Meirinho)

Meirinho lamenta que quando o assunto é Balneário, infelizmente houve regressão na ETE, que coleta o esgoto, mas não o trata com a eficiência esperada.

“Evidentemente Camboriú tem imensa contribuição com o esgoto no Rio Camboriú, mas sempre esteve lá, e se agora houve problemas maiores na balneabilidade da Praia Central, obviamente é por conta da situação da ETE de Balneário. Tornou-se um problema de saúde pública, meio ambiente e reputação da cidade. Por que piorou tanto? Por conta da ETE, é óbvio. Precisa de gestão, e é o que falta, em Balneário e Camboriú. Temos o Comitê do Rio Camboriú, a expertise da Univali, sociedade civil organizada… todos querem ajudar”, afirma.

O vereador vê que é preciso haver ações integradas dos dois municípios, pensando no futuro e para que realmente haja alternativa eficiente e prática. Ele lembra que a situação da ETE é hoje o principal problema de Balneário Camboriú e que pouco se fala sobre. A Câmara tentou abrir uma CPI para investigar o que aconteceu na ETE, mas não foi possível porque faltaram duas assinaturas.

“Há evidências que atestam o problema que Balneário vive – a falta de balneabilidade da Praia Central, os relatórios divergentes apresentados pela Emasa, o IMA dizendo que estava uma ‘catástrofe’ a ETE, com o esgoto saindo da estação pior do que entrava, isso no fim de 2022. É inaceitável, considerando que até 2019 tratavam com 95% de eficiência. A Emasa era superavitária, repassou R$ 100 milhões para a prefeitura, que foram utilizados em outros projetos, e agora pediram empréstimo de R$ 50 milhões para a nova ETE. É má gestão a culpa do que aconteceu na ETE de Balneário, justamente no governo que vendia ‘Balneário de águas limpas’, justo a cidade que se chama Balneário, sem balneabilidade”, informa.


Vereador fez série de fiscalizações no rio, mostrando os problemas da ETE de Balneário

Gotardo fiscaliza o rio desde 2022, quando fez a primeira coleta, que aparece nesta foto (Gabinete Lucas Gotardo)

Desde janeiro/2022, o vereador Lucas Gotardo acompanha a situação do Rio Camboriú em relação à ETE de Balneário. Tudo começou quando ele recebeu reclamações de moradores sobre o mau cheiro nos arredores da ETE, e no ponto de saída de água ‘tratada’ recolheu uma amostra, que deveria ser limpa, e era cinza e com ‘um cheiro horrível’. Diante disso, Gotardo conseguiu descobrir que desde 2021 o Ministério Público e o IMA-SC sabiam que algo de errado acontecia na ETE – inclusive em agosto/2021 o MP já havia ingressado com uma ação civil pública para que a Emasa fizesse melhorias e assim cessasse os danos ambientais que vinham sendo causados (porém, até 2022 a situação continuava, inclusive com um vídeo registrado no segundo semestre, com peixes mortos sendo retirados tanto da ETE quanto do Rio Camboriú; o vídeo em questão atingiu dois milhões de visualizações). 

Ao Página 3, Gotardo analisa que a prefeitura fala que a cidade está ‘quase 100% saneada’, mas que na realidade a ETE não dá conta e não está com a eficiência adequada. Ele vê que o governo municipal não deveria comunicar ‘de forma leviana’ como fazem, porque a cidade não vive um bom momento nesse sentido.

“A cidade realmente é saneada, mas o prefeito Fabrício nunca se posicionou sobre a ETE realmente porque o fato é que não adianta coletar esgoto e não tratá-lo. Alguém sempre tem que achar culpado para se eximir de responsabilidade. Vejo que Camboriú é um município que passa por dificuldades na questão do saneamento, o próprio município de Camboriú reconhece, mas eu acho muito feio você colocar toda a responsabilidade em um único município sendo que você (Balneário) é um dos maiores poluentes, senão o maior poluente”, destaca.

O vereador explica que sua fala vem com base em uma pesquisa realizada – ele contratou o mesmo laboratório prestava serviço para a Emasa, e os estudos mostraram que bem na frente do Oceanic Aquarium, na Barra Sul, o nível de DBO (Demanda bioquímica de oxigênio) era 20 vezes maior do que na divisa com Camboriú.

“Coletamos em dias diferentes, em semanas diferentes, e isso prova que a Emasa é a maior poluidora do Rio Camboriú. Fui até o MP, fiz a denúncia no início de 2022, e comecei a fazer um monitoramento. Registrei uma série de incidentes como peixes mortos, manchas na água e densidade alterada”, afirma.

Lucas fez série de fiscalizações no Rio Camboriú, onde pôde perceber as consequências da falta de saneamento das duas cidades (Gabinete Lucas Gotardo)

As ‘investigações’ de Gotardo no Rio Camboriú e ETE resultaram em questionamentos políticos e até mesmo por parte de empresários da cidade (da área da construção civil, turismo, entretenimento, comércio, etc.) que viam que ele estava prejudicando a cidade ao revelar a poluição. Ele confessou ao jornal que chegou a se questionar se estava agindo de forma correta ao ir atrás das informações, mas que não se arrepende, porque depois realmente foi revelado que a ETE passava por problemas.

“Números e dados apontam que eu estava certo e eu decidi não ceder à pressão. Vou manter minha posição. Muitas pessoas que me procuraram viram que eu estava certo e me deram razão. Não recebi pedido de desculpa, mas nem quero – quero que reflitam que o que está acontecendo na Emasa é grave. Até hoje não vejo nenhum comentário do prefeito sobre. Não entendo como as pessoas não estão preocupadas com o nosso rio, não falam sobre, não se atentam ao tamanho da gravidade. Quem disser que a situação não é grave, que a Emasa não polui o rio ou que eu estou mentindo é só procurar morador da Barra Sul ou tomar banho no rio, já que não é poluído”, comenta.

O vereador coletou amostras em diversos pontos do rio, com resultado confirmando a poluição do local – todos os vídeos estão disponíveis no Instagram @lucaswgotardo (Gabinete Lucas Gotardo)

O vereador completa dizendo que está aberto a debate, que possui informações, e que é a hora dos moradores de Balneário e Camboriú abrirem os olhos para a situação que o Rio Camboriú vive, pontuando que o Rio Camboriú está morto, e que se nada for feito, a situação vai piorar ainda mais, analisando que é ‘extremamente preocupante’.

Eu nasci na Barra Sul, me banhava no rio, brincava com meus amigos ali. Quando vejo esse tipo de coisa acontecendo, me entristece demais. A Emasa foi loteada de partido político para pagar fatura com vereador – hoje quase todos os cargos são indicações por troca política ou grupo econômico, pessoas incompetentes em funções estratégicas e é óbvio que a c*gada era certa, literalmente”.

Lucas Gotardo