Houve um tempo que a conta do telefone era uma tortura.
Conto um fato real.
Uns anos trabalhei como Ortodontista, tanto em Blumenau como em Balneário Camboriú.
Minha mulher era a secretária. Tinha também um sistema de secretária eletrônica que gravava as mensagens dos pacientes e quando a gente chegava na clínica, ouvia e respondia as mensagens. O normal era ter 5 ou 6 mensagens. Quem pagava por estas chamadas era o dono do telefone.
Muitos ainda lembram como era.
Pois é… em determinado mês a conta disparou.
Se era de R$ 250,00 passou para R$ 800,00 sendo que a grande maioria foi devido à chamadas na secretária eletrônica.
No outro mês, a conta chegou em quase R$ 4.000,00. As chamadas eram sempre da mesma pessoa, uma voz um pouco infantil. Primeiro só conversava. Depois cantava hinos religiosos. Contava histórias. O interessante é que chamava a qualquer hora do dia, da noite, da madrugada.
Eu estava muito intrigado e passei a pesquisar para descobrir de quem era o telefone. Havia uma questão de sigilo, mas mostrando aquele enorme número de chamadas, 300/400, acabaram me dizendo de quem era o telefone. Era de uma pessoa de Itajaí – um senhor.
Depois de várias tentativas identifiquei a pessoa, e disse que precisava resolver aquilo porque o prejuízo estava muito grande e que já havia ido na Delegacia para que fossem tomadas providências.
Veio mais uma conta com quase 800 chamadas. Aí as mensagens começaram a ficar agressivas. Distratava a minha secretaria eletrônica, falava palavrão. Também havia mensagens pornográficas, ameaças…
Coisa vai coisa vem, decidimos fazer um encontro para resolver a questão. Aquilo tinha que parar.
Foi marcado o encontro, na Delegacia da Rua Inglaterra, aqui em Balneário Camboriú.
Fui lá e mostrei para o Delegado as faturas gigantescas.
– Preciso ser ressarcido disto, e isto tem que parar.
Ele falou:
– Vou conversar agora com o dono do telefone. Depois vamos ver o que se faz.
Saí da sala do Delegado e na entrada tinha uma Sala de Recepção e o tal senhor veio falar comigo.
– Sou o dono do telefone. Queria que o Sr. conhecesse minha filha. Ela tá ali fora.
Respondi:
– Olha, não pretendo conhecer sua filha. Agora tem o seguinte, o senhor tira este telefone dela. Isto não é possível. Vamos ter que ter uma solução.
Ele entrou na sala do Delegado. Eu fui saindo e vi uma mocinha magrinha de uns 13 anos sentada sozinha num banco, cabeça meio baixa.
Passei na frente dela e tomei um grande susto. Ela não tinha olhos, somente as cavidades. Aquelas cavidades profundas recobertas só de pele.
Engasguei. E saí atordoado.
Depois, de noite, liguei para o pai dela.
Ele chorou. Disse que tinha comprado um telefone especial para ela, que ela raramente saía de casa. A vida dela era muito triste. Uma das poucas alegrias era o telefone. E ela não tinha noção do tempo, se era de dia ou de madrugada.
Por isto as chamadas aconteciam a qualquer hora. Ele achava que ela tinha descoberto por acaso o meu número, e como alguém respondia (a secretárias eletrônica) ela passou a conversar com ela e deu no que deu. Falou que ia tirar o telefone dela e ia achar um jeito de pagar, só queria um prazo.
Com todo cuidado falei para ele esquecer das contas e dos pagamentos.
– O Senhor esquece isto. Não tira o telefone dela. Só veja como encontrar um jeito de ela não ligar mais para este número.
Assim,
…segue a saga …
Hélvion Ribeiro é cirurgião dentista aposentado, reside em Balneário Camboriú e veraneia em Urubici