Este mês de março é especialmente importante para a cultura brasileira e particularmente importante para o escritor Enéas Athanázio, por dois motivos: na próxima terça-feira (28) ele comemora 88 anos e foi em março de 1973 que ele lançou o primeiro livro de contos ‘O Peão Negro’, que o tornou conhecido em todo o país.
A crítica o considera um regionalista dos Campos Gerais. Mas ele foi muito além, escreveu contos, ensaios, crônicas, críticas, tornou-se um especialista em biografias e, em sua cinquentenária carreira literária, entregou aos leitores nada menos do que 60 livros. O número 61 está quase concluído…a obra é ainda mais extensa, incluindo artigos, colunas, opúsculos, são centenas de publicações que mereceram dezenas de prêmios.
O escritor que também foi professor, advogado, promotor público e até político, reside em Balneário Camboriú há mais de três décadas, quase o mesmo tempo em que escreve coluna no jornal Página3.
Nesta reportagem, ele falou sobre sua carreira, sua produção, sua forte ligação com a cultura ‘desde sempre’ e seu fascínio por livros e leituras. Acompanhe:
JP3 – Março de 2023 é um mês de dupla comemoração: além do aniversário de vida, o cinquentenário da sua carreira literária. Como está comemorando estes dois momentos?
EA – Quanto ao tempo de vida, com muita surpresa. Estou com 88 anos, uma idade indecente, como dizia o escritor carioca Antonio Callado. Nunca imaginei viver tanto, assistindo todos os dias a partida dos parentes, amigos e colegas, deixando um vácuo, um gosto de solidão. No que se refere à literatura,custo a crer que passou tanto tempo. Parece que foi ontem que escrevi os contos do primeiro livro, entrando pelas noites geladas da Serra, redigindo à mão e pesando palavra por palavra para ser fiel à alma do povo que, afinal, era o meu povo, enquanto a cidade dormia e o silêncio pesado invadia a sala. Comemoro em silêncio, sem alardes, mas com a satisfação íntima de ter feito o que minhas circunstâncias permitiram. E quanto à idade, feliz por ainda me mandar enquanto tantos se arrastam.
JP3 – Advogado, professor, político, promotor público, escritor…faltou alguma coisa?
EA – Como já vivi bastante, tive tempo de fazer muita coisa. Segundo um amigo saudoso, foi uma vida sortida. Lecionei desde os tempos acadêmicos em colégios, escolas comerciais e faculdades. Foi sempre uma atividade paralela e no intuito de colaborar porque nas pequenas cidades havia carência de professores.
Para minha surpresa, fui eleito Vereador, o mais votado de meu partido. Inexperiente e idealista, me vi de repente num meio de velhas e tarimbadas raposas. Tratei de me adaptar e procurei ser um bom parlamentar, ainda que de oposição.
Anos depois exerci o cargo de Secretário Adjunto da Justiça no Governo Pedro Ivo. Foram experiências que não deixaram saudade embora servissem de aprendizado.
Quanto ao Ministério Público e à Literatura, por eles sempre tive fixação. Apaixonado pela carreira, tudo fiz para ser um Promotor à altura, sem deixar margem a que falassem mal de mim nas comarcas onde servi.
Como ser humano, devo ter cometido erros, mas foram da inteligência e não da vontade. Por mais conturbado que fosse o momento vivido, nunca passei um dia sem ler e escrever pelo menos algumas linhas. Falta ainda viver a vida do praiano e espero que me reste algum tempo para isso.
JP3 – Em 1973 a largada da carreira literária com o livro de contos ‘O Peão Negro’. O conto sempre foi o gênero predominante em sua obra. Por quê?
EA – Sempre fui leitor inveterado de contos e o gênero parecia melhor se adequar ao meu temperamento. Acabei trilhando por ele em vários livros, ainda que aos poucos derivasse para outros gêneros. O conto, ou a short story, é um desafio porque o autor não dispõe de largos espaços e tem que colocar em textos curtos tudo que o leitor precisa fazer. Por ser curto, muitos o julgam fácil, o que é um ledo engano.
Na época do primeiro livro era quase impossível publicar aqui no Estado. Existia uma única editora e ela dava preferência aos figurões.
Diante disso, coloquei os originais sob o braço e fui para São Paulo. Lá encontrei o Péricles Prade, juiz federal na capital, e ele me apresentou à Editora do Escritor, uma nova casa que se lançava com decisão. Ela publicou diversos livros meus e Péricles prefaciou o primeiro deles. O prefácio que ele escreveu para “O Peão Negro” é uma peça antológica.
JP3 – A crítica o considera um regionalista dos Campos Gerais. Mas a obra mostra que foi muito além…como define estes 50 anos de carreira?
EA – No início o meu propósito foi descrever o meio campeiro com seu modus vivendi e, acima de tudo, com sua linguagem local. Recriar o meio que eu conhecia, coerente com a lição de nunca escrever sobre o que não sabia, e as histórias que ouvia. Não me preocupava qualquer cogitação de escola ou corrente literária. E assim os contos foram se acumulando e recheando novos volumes.
Comecei a observar, na época, que não existia crítica literária aqui no Estado.
O escritor trabalhava sua obra, burilava, estudava e vencia os obstáculos para a publicação. O livro caia no vazio, ninguém, ou quase ninguém, dizia nada e o pobre do autor sofria mais uma decepção.
Diante disso, comecei a comentar livros nos jornais onde mantinha colunas. Comentários despretensiosos, apenas no intento de divulgar. Passei a receber livros e mais livros, inclusive de outros Estados, e isso nunca mais parou, perdura até hoje. São milhares de resenhas publicadas. Meus 50 anos de carreira foram, e ainda são, anos de incessante trabalho.
JP3 – Se pudesse mudar alguma coisa, o que seria. Por quê?
EA – No curso da vida, teria feito concurso para o Ministério Público mais cedo, evitando viver tanto tempo em “bibocas arredias de civilização”, como escreveu Godofredo Rangel. Já na vida literária, pouca margem haveria para mudar.
JP3 – Quando surgiu o interesse por biografias. Qual é o princípio básico para escrever sobre a vida de outra pessoa?
EA – Sempre fui leitor de biografias. É uma forma de aprender com a experiência alheia e evitar os mesmos erros. Mas a biografia de Monteiro Lobato, em dois volumes, escrita por Edgard Cavalheiro, lançada em 1957, me cativou para sempre. Mostrava o Lobato homem, agindo e reagindo, o escritor em luta com as palavras e o cidadão preocupado com o país. Desde então passei a ler o gênero com outros olhos. O princípio básico das biografias é colocar o biografado no seu tempo, vivendo o contexto da época e analisando seus atos em coerência com ele.
JP3 – O Sr. é o único biógrafo de Godofredo Rangel, Crispim Maia, Monteiro Lobato. Também foi um estudioso da vida e da obra de Lima Barreto e Gilberto Amado. Como fez essas escolhas?
EA – Monteiro Lobato publicou um livro denominado “A Barca de Gleyre.” Nele estão as cartas que escreveu ao escritor e juiz mineiro Godofredo Rangel durante 44 anos. O destinatário, porém, nunca se manifestou e as respostas de Rangel jamais foram publicadas. Lendo esse livro maravilhoso, fiquei curioso e me perguntando: quem foi Godofredo Rangel, como se explica seu silêncio, o que fazia, onde residiu? Procurando respostas, comecei a pesquisar. Não existia quase nada, mas procurando, perguntando aos amigos, escrevendo a outros escritores, acabei reconstituindo a vida e elencando a obra rangelina. Descobri um imenso escritor, romancista, novelista, contista, crítico, gramático. Assim surgiu minha biografia sobre ele, “O Amigo Escrito”, até hoje a única.
Todos os demais sobre quem escrevi despertaram minha atenção graças a leituras. Crispim Mira andava em completo ostracismo; Gilberto Amado me encantou pela genialidade de suas memórias; Lima Barreto foi um injustiçado, desprezado e ridicularizado em vida; vários pontos da vida de Lobato foram ignorados pelos biógrafos. Tudo isso me levou a escrever sobre eles.
JP3 – A sua ligação com a cultura foi mais forte do que as ‘outras’ escolhas, Direito, Ministério Público, política…Como nasceu esse gosto pela cultura?
EA – Na verdade não sei a resposta. Acredito que nasci com o “carnegão literário”. Lembro, porém, que, ainda menino, no internato, eu lia sem cessar. E não lia por ler, lia estudando. Isso se tornou um hábito e despertou em mim a consciência da importância da cultura. Procurei colaborar na medida de minhas forças. Fui um dos fundadores e o primeiro presidente do Conselho de Cultura de Blumenau. Foi uma luta difícil porque algumas pessoas enxergavam nisso segundas intenções. O Conselho foi fundado e funciona até hoje.
JP3 – Entre livros, opúsculos, publicações em revistas e jornais, a obra alcançou que números neste ano de cinquentenário?
EA – Não tenho ideia. Sei que são 60 livros e mais um no prelo e 15 opúsculos. Existem incontáveis participações em coletâneas, antologias e apostilas, trabalhos publicados em revistas, jornais, “sites”, prefácios e transcritas em livros de outros autores (capas, orelhas, apêndices) e centenas de resenhas espalhadas por toda parte.
JP3 – Como avalia a cultura catarinense dentro do contexto nacional?
EA – Nossa cultura tem bons valores, inclusive na literatura, mas não consegue vencer as barreiras de nossos limites. Nas minhas inúmeras viagens tive por costume visitar bibliotecas universitárias, escolares, públicas e de instituições culturais e nunca encontrava autores catarinenses. Desde então tratei de levar uma sacola com livros meus e de outros conterrâneos para oferecer ao acervo delas. No momento em que escrevo nosso Estado vive uma fase ruim. Nossa presença nos noticiários tem sido sempre negativa e com coloração altamente reacionária, o que é uma pena.
JP3 – A recente nomeação do ‘importado político’ Rafael Nogueira no comando da Fundação Catarinense de Cultura gerou descontentamento da classe artística. Houve uma manifestação na Capital e um abaixo-assinado, mas ficou por isso mesmo. Que consequências pode trazer uma nomeação política para o cenário da cultura?
EA – O ocupante de um cargo nessa área deve conhecer o meio artístico e os artistas em geral. Não creio que um “importado” disponha desses conhecimentos. Tudo indica que sua gestão não dará certo. No entanto, não convém esperar muito de órgãos públicos da área cultural. A Fundação Catarinense de Cultura viveu dias de atividade e outros de total ostracismo. Houve um secretário de cultura que projetou privatizar a Biblioteca Pública Estadual. Em um país que não lê, ela cobraria dos seus frequentadores. Por sorte não ouvi falar mais nesse assunto.
JP3 – Como foi sua experiência na vida pública, na condição de vereador?
EA – Foi decepcionante. Para mim aquilo era um ideal, o desejo de contribuir para a melhora da cidade e do município. Mas para eles constituía um negócio repleto de ligações e interesses inescrutáveis. Mesmo assim, lutei até o fim. Não me candidatei à reeleição.
JP3 – Qual foi a obra de maior repercussão em sua carreira?
EA – Não sei ao certo, mas repassando meus arquivos creio que foi “O Peão Negro.” É impressionante o que saiu na imprensa sobre ele. Teve contos transcritos em revistas, jornais, antologias, apostilas e até teatralizados. Ficou muito conhecido e dizem que hoje é um clássico do regionalismo brasileiro. Não tenho condições de avaliar se a afirmação procede. A ausência dos Campos Gerais em nossas letras, naquele período do lançamento, contribuiu para a difusão. Estava ali uma surpresa porque desde Tito Carvalho e Guido Wilmar Sassi ninguém ambientava suas obras naquela região. O livro veio retomar a corrente do regionalismo catarinense.
JP3 – Qual delas é a sua preferida?
EA – Gosto muito do livro mais recente. Admiro-o, observo, releio aqui e ali. Nenhum, porém, merece minha preferência. São todos iguais.
JP3 – Tem alguma obra em andamento?
EA – Contrariando o que afirmei muitas vezes, estou publicando novo livro – o 61.
JP3 – Quais as dificuldades que um escritor enfrenta no Brasil?
EA– Todas. Não temos crítica, não temos distribuição, não temos livrarias, as bibliotecas públicas são poucas. Tudo é muito pequeno, restrito, de sorte que nossos escritores vivem de teimosos. Oswald de Andrade, que nunca fez nada além de escrever, dizia que era um homem sem profissão porque no Brasil escritor não é profissão. Mas existe uma minoria de brasileiros que lê e valoriza nossas obras. Para eles compensa continuar escrevendo.
Escritores e editoras, nestes últimos tempos, vêm optando pelo livro eletrônico como meio de driblar as dificuldades do impresso. É uma forma moderna de difundir o livro, ainda que o leitor não tenha o prazer de folhear, anotar, sublinhar e manusear o volume na sua forma física. Leitores mais conservadores dizem que há um distanciamento entre o texto e o leitor.
JP3 – São poucos escritores catarinenses que completaram 50 anos de carreira. O seu trabalho é reconhecido?
EA – É um fato. Muitos ficaram pelo caminho, desanimados e desiludidos. Poucos permaneceram firmes na trincheira. Quanto ao reconhecimento de minha obra, creio que é positivo considerando as circunstâncias. Numerosas têm sido as manifestações sobre ela e recebi diversas premiações. Como me acostumei a não esperar mais do que a vida pode dar, como ensinava Rangel, estou satisfeito e convicto de que fiz o que pude, cumpri o meu papel. O mais é com os pósteros.
JP3 – Que mensagem enviaria para seus leitores?
EA – Sou agradecido aos que me leem e honrado com esse gesto. É uma sensação indescritível verificar que personagens que criei passaram a viver no imaginário de outras pessoas, ganhando vida, agindo e reagindo. Melhor ainda quando me escrevem comentando meus escritos. Embora encharcado de tempo, entrado em anos ou em provecta idade continuarei escrevendo para eles.
JP3 – Qual a data da próxima publicação, a de número 61?
EA – O livro está em fase adiantada, já foi submetido à segunda revisão e, a julgar pelo “boneco”, vai ficar muito bonito. Não posso ainda fixar a data.
JP3 – Espaço aberto…
EA – Encerrando, quero registrar um agradecimento especial à Jandira, minha mulher e companheira, que vem suportando a vida de um escritor durante mais de meio século. Em 8 de abril completaremos 62 anos de casados.
Leia também: “O escrever faz parte da minha natureza!”, Enéas Athanázio, 60 livros publicados
Duas importantes opiniões fazem parte desta reportagem sobre a carreira cinquentenária de Enéas Athanázio: a filha e advogada Patrícia Ribas Athanázio Hruschka e o escritor e professor Guilherme Queiroz de Macedo, que lançou em novembro do ano passado seu terceiro livro/opúsculo ‘O Articulismo Cultural de Enéas Athanázio’
Patrícia Ribas Athanázio Hruschka, advogada, filha do escritor Enéas Athanázio
“Escrever sobre a carreira literária do meu pai não é tarefa das mais simples, mas me arrisco a fazê-lo pelo exemplo que serve para todos nós.
Para quem o vê de longe tem a impressão de que as palavras fluem com facilidade, que é um talento inato. O que talvez não fique tão evidenciado é que por trás disso há um leitor contumaz, curioso, que lê desde a mais tenra idade e que sempre envidou esforços para conhecer ou estar mais perto dos lugares e dos escritores que o inspiraram.
Com tamanha dedicação, tem conquistado leitores de todo o país e de fora dele. Sua narrativa cativante, rica em detalhes e simbolismos, faz com que as histórias sejam cativantes e instigantes. Uma de suas obras mais aclamadas, “O Peão Negro”, que agora comemora cinquenta anos, foi escrito enquanto conciliava a atividade literária e o exercício de Promotor de Justiça nos idos de 1973 e se destaca por trazer à tona questões sociais e culturais relevantes que ainda são atuais.
O conjunto de sua obra retrata as características dos lugares ambientados, fatos pitorescos e as expressões, principalmente, dos habitantes dos Campos Gerais catarinenses, já que as conhece como a palma da própria mão, por ter nascido em Campos Novos e atuado como advogado e Promotor de Justiça em diversas cidades da região. Domina, portanto, sua geografia, gente e expressões de linguagem.
Considerado um dos maiores regionalistas literários da atualidade faz prevalecer a memória de seu povo, desenvolvendo uma narrativa envolvente, prendendo a atenção dos leitores até o final. Muitas vezes depois das publicações discutimos numa “chacrinha” em família, se concordamos ou não com os desfechos das histórias, o que o diverte muito, sempre defendendo seus personagens.
Como brincamos lá em casa, essa produção não pode acabar porque ele ainda tem muita “letrinha na cabeça” para nos brindar com mais e mais saborosas histórias.
“O significativo percurso literário de Enéas Athanázio”, Guilherme Queiroz de Macedo
Tenho acompanhado a obra literária e a atuação literária e cultural de Enéas Athanázio desde o segundo semestre de 1999, quando entrei em contato por correspondência com o escritor catarinense, para solicitar o envio de suas obras sobre Monteiro Lobato para um trabalho de monografia histórica que estava elaborando na ocasião. Na época, foram enviados dez livros de ensaios e duas obras literárias do autor.
O meu interesse, durante a elaboração da monografia (1999 – 2001) estava voltado para a leitura das obras do autor que tinham relação com a pesquisa histórica, sobre a correspondência entre o escritor Monteiro Lobato e o educador Anísio Teixeira. Somente depois de concluído o trabalho, é que li e reli as obras literárias então enviadas e percebi o quanto a leitura por prazer e fruição estética fazem falta após leituras feitas apenas por dever profissional e acadêmico, a maioria das quais áridas e sem nenhuma beleza estética.
Durante o período de busca de livros para a elaboração da monografia histórica, o autor gentilmente enviou-me os livros: 3 Dimensões de Lobato (1975), O Mulato de todos os Santos (1982), Figuras e Lugares (1983), A Pátina do Tempo (1984), Meu amigo Hélio Bruma (1987), O Perto e o Longe Volume 1 (1991) e Volume 2 (1991), Monteiro Lobato abriu os caminhos (1993), Godofredo Rangel (1977), O Amigo Escrito (1988), que foram objeto de abordagem em resenhas, que posteriormente foram publicadas no opúsculo Duas Vezes Enéas (2002), que foi o primeiro livro que escrevi sobre a vida e a obra de Enéas Athanázio.
A leitura dos contos enfeixados em A Gripe da Barreira: causos do ermo (1999) e O cavalo Inveja e a Mula Manca (2001) despertaram o interesse em conhecer as demais obras literárias de Enéas Athanázio e, a partir da troca de correspondências, fui solicitando as demais obras já lançadas e ainda com exemplares disponíveis, bem como as obras lançadas a partir de 2001,
Dentre os 75 livros já publicados por Athanázio (60 livros e 15 opúsculos), é impossível, dentro dos limites de espaço deste artigo, citarmos todas as obras de Enéas que considero mais importantes. Gostaria de começar destacando duas obras: a novela literária ‘A Liberdade fica Longe’ (2001, 2007), uma das obras que sintetiza como se constitui o leitor e o escritor, através do gosto e do prazer estético pela leitura e escrita literárias e ‘Vida Confinada’ (1997), relato de autoficção do autor sobre a sua trajetória estudantil em um colégio interno católico no final das décadas de 1940 e início da década de 1950 do século XX, a qual foi objeto de abordagem de minha autoria em dois artigos, publicados no periódico “Escrituras Brasileiras” (2008).
Outra obra literária muito interessante de Athanázio, é o livro ‘Fazer o Piauí: crônicas do meio norte’ (2000), sobre o intercâmbio do autor com os autores e a vida cultural daquele estado, cujos frutos mereceram posteriormente outra obra, denominada ‘Meu Amigo, o Piauí’, lançada em 2008.
No conjunto das obras lançadas por Athanázio, destacamos também ‘Mundo Índio’ (2003) que, além do conto ‘O batizado ou A história de Tipoti’, merece destaque a parte, por suas ‘Alegações Finais’ em defesa do líder indígena missioneiro Nheçu, uma autêntica peça ensaística histórica com fundamentações filosóficas e jurídicas, sobre um de nossos inúmeros personagens históricos “vencidos” e esquecidos propositadamente pela “história do vencedor”, dominante ou oficial.
No entanto, Nheçu é um vencedor, pois a História não é feita somente de um ponto de vista, pois existem várias outras abordagens, felizmente surgidas desde a década de 1980 do século XX, e que redimensionaram e valorizaram a participação dos chamados “vencidos” na História e, desta forma, valorizando as lutas do povo brasileiro ao longo da história que, mesmo não sendo vitoriosas em sua grande maioria, representaram possibilidades de mudança no tempo passado, mas que servem de motivação e estímulo para as lutas do tempo presente.
Dentre as obras de Enéas, lançadas a partir de 2002, e enviadas destacamos: As antecipações de Lobato (2002), Mundo Índio (2003), Fiapos de Vida – Volume 2 (2004), Crônicas Andarilhas: utopia campeira (2005), Direito Internacional Público: noções elementares (2006), A liberdade fica longe (2007), Meu Amigo, o Piauí (2008), O Pó da Estrada – Volume 1 (2008), José Athanázio: meu pai (2009), Ensaios Escoteiros (2010), O campo no coração (2012), Contos Escolhidos (2012), O Prato do Vidá (2012), Enéas Athanázio: 40 anos de literatura (2013), Mundo Apartado: “A Primavera” (2014), O Reduto de Nhô Ná (2015), O Pó da Estrada – Volume 2 (2015), A Conquista (2017), O Perto e o Longe – Volume 3 (2017), Indiologia Militante (2018), O Contestado (2018), O Holocausto (2018), Farquhar e Lobato (2018), Dinarte do Entre Rios e outros viventes (2019), Livro sobre Livros – Volume 1 – Artigos (2019), Livro sobre Livros – Volume 2 – Autores Catarinenses (2020), Livro sobre Livros – Volume 3 – Ernest Hemingway (2020), O Cangaço (2021), Percurando aquele traste (2021) e A Obra de William Agel de Melo (2021).
Depois de mais uma década após o lançamento do opúsculo Duas Vezes Enéas (2002), foi lançado o livro Enéas Athanázio: de Leitor a escritor (2016), que contém uma entrevista concedida por Enéas a respeito de sua formação como leitor e escritor, aspectos inéditos ainda não abordados em inúmeras outras entrevistas de Athanázio, além de um ensaio a respeito do painel único dos Campos Gerais, presentes nas obras de ficção athanazianas. No ano passado, foi lançado o meu terceiro livro O Articulismo Cultural de Enéas Athanázio (2023) sobre a obra do escritor catarinense Enéas Athanázio, residente em Balneário Camboriú e colunista do jornal Página 3 há mais de duas décadas.
O opúsculo O Articulismo Cultural de Enéas Athanázio, apresenta três artigos sobre da série Livro sobre Livros, volume 1 (Artigos), volume 2 (Autores Catarinenses) e volume 3 (Ernest Hemingway), com resenhas do escritor catarinense para desta forma, apresentar uma significativa amostra da produção deste autor, em seus 50 anos de carreira literária. A obra mostra a presença constante do articulismo cultural em suas produções, em um dinâmico, atualizado e profícuo jornalismo cultural, atividade semanal que o escritor desenvolve há vários anos nas colunas do periódico Blumenau em Cadernos (Coluna Autores Catarinenses), no jornal Página 3 (Balneário Camboriú) e na Revista Rio Total (Rio de Janeiro).
A principal motivação para escrever o opúsculo O articulismo cultural de Enéas Athanázio foi prestar uma homenagem aos 50 anos de sua estreia literária, de quem sou grande admirador, iniciada com o lançamento do livro de contos O Peão Negro (1973) e, como consequência desta admiração, atingir o objetivo inicial de enfocar e analisar um dos aspectos inéditos, ainda não pesquisados e estudados em suas obras, que é o articulismo cultural e literário presente em seus ensaios, artigos, resenhas e reportagens, conforme fiz referência na apresentação e na introdução do livro, intitulada O multifacetário e diverso articulismo literário e cultural de Enéas Athanázio.
Resolvi a escrever o livro O articulismo cultural de Enéas Athanázio no início do ano de 2022, reunindo artigos e resenhas que já havia escrito sobre a série Livros sobre Livros, volume I – Artigos (2019), volume II – Autores Catarinenses (2020) e volume III – Ernest Hemingway (2020), nos quais realço o percurso e a trajetória de Enéas Athanázio na prática de um pertinente e oportuno articulismo cultural, atividade semanal que vem desenvolvendo há mais de 50 anos, em colunas literárias como as do Jornal Página 3, Revista Rio Total e Revista Blumenau em Cadernos, para citarmos alguns exemplos, dentre outros suplementos literários e culturais de outros Estados brasileiros.
Em continuidade à homenagem aos 50 anos de estreia literária de Enéas Athanázio, durante o ano de 2022, reuni todos os artigos, ensaios e resenhas de 73 das 75 obras literárias de Enéas Athanázio, escritos entre 2003 e 2022, em dois volumes intitulados Ensaios Athanazianos – Volume I (179 páginas) e Ensaios Athanazianos – Volume II (238 páginas), perfazendo o total de 417 páginas, contendo textos, a maioria ainda inéditos, e outros já publicados em três livros que escrevi a respeito da obra athanaziana – Duas Vezes Enéas (2002), Enéas Athanázio: de leitor a escritor (2016) e O Articulismo Cultural de Enéas Athanázio e em revistas, jornais e suplementos literários e culturais.
Gostaria de destacar também a grande importância do trabalho literário e cultural de Athanázio, iniciado antes mesmo de sua estreia literária, na formação de novos leitores e o constante incentivo aos novos escritores, através de várias colunas literárias que manteve em jornais e suplementos lítero-culturais, como, por exemplo, as coluna “Impressões colhidas pelo caminho” e “A Página Literária (1972 – 1990)”, mencionadas pelo autor na obra “Fiapos de Vida – Volume 2” (2004), Sendo que, atualmente, mantém, desde 1998, a coluna semanal “Literatura”, no Jornal Pagina 3, de Balneário Camboriú; escreve, desde 1978, a coluna “Autores Catarinenses” no periódico bimensal Revista Blumenau em Cadernos e também colabora, desde 1997, com uma coluna virtual no site da Revista Rio Total.
Outro aspecto do articulismo cultural e literário de Enéas Athanázio que vale ressaltar foi o importante trabalho desenvolvido pelo autor através do Jornal do Enéas, “Boletim Cultural Independente”, que durou 10 anos e editou 30 números entre 2002 e 2011. A importância do trabalho literário e cultural desenvolvido por Enéas Athanázio, nas trinta edições do Jornal do Enéas, editadas durante dez anos ininterruptos, foi a de reunir escritores de perto e de longe, do Brasil e até mesmo de outros países, muitos dos quais estreantes e outros tantos veteranos, contribuindo sobremaneira para a divulgação e o debate de suas produções literárias, sempre com qualidade e independência de opiniões, conforme destacamos no artigo “Jornal do Enéas: um periódico cultural ‘sui-generis’”, publicado no referido suplemento cultural.
Outra ação relevante de Enéas Athanázio que merece destaque, foi a criação da Editora Minarete há 30 anos (1993), cuja contribuição literária e cultural é de grande importância ao mundo das letras, contribuindo para o engrandecimento do pioneiro e árduo trabalho realizado por pequenas editoras alternativas em divulgar as produções literárias dos escritores que não teriam oportunidades em um mercado dominado pelas grandes editoras e distribuidoras, que prestigiam um número bastante restrito de escritores. A editora de Enéas, além de publicar as obras de sua autoria, também publicou ensaios e coletâneas sobre a sua obra, contribuindo, através da circulação de suas edições para os quatro cantos de nosso País continente e outros lugares do mundo, para a formação de leitores e de escritores.
O percurso literário e a trajetória cultural de Enéas Athanázio sempre foram muito significativos e tem contribuído de forma marcante no que os estudiosos denominam de a circulação do impresso, através de livros, informativos literários e culturais alternativos e de colunas literárias, que constituem uma das facetas do que denominamos de articulismo cultural e literário, que reforçam a importância do articulismo cultural e literário, na formação de leitores e de escritores que tem a oportunidade da leitura e acesso às publicações e suplementos lítero-culturais, que contribuem sobremaneira na formação do gosto pela leitura e escrita de novos leitores e, por que não dizer, novos escritores, as quais destacamos no terceiro livro publicado a respeito da obra athanaziana.