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Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
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O FIM DE UM MUNDO TOTALITÁRIO

A Editora Objetiva, do Rio de Janeiro, lançou um livro de leitura indispensável nos dias de hoje em que o nazifaascismo parece crescer em toda parte por espantoso que isso seja. Trata-se de “No bunker de Hitler – Os últimos dias do Terceiro Reich”, de autoria do célebre historiador Joachim Fest, considerado o maior conhecedor de Hitler e sua história. Baseado em vasta bibliografia, na qual não encontrei um só brasileiro, o autor reconstituiu, passo a passo, os últimos dias do ditador alemão e do monstro totalitário por ele engendrado. A obra repercutiu em todo o mundo, onde foi muito vendida, comentada e elogiada, além de ter inspirado filmes e documentários.

Recolhido a imenso bunker subterrâneo, cerca de dez metros abaixo do solo e fortificado em aço e concreto, debaixo do prédio da Chancelaria alemã, em Berlim, Adolf Hitler viveu seus últimos dias e acompanhou o desenrolar da II Guerra Mundial até o inexorável fim em maio de 1945. No esconderijo estava com ele tal quantidade de pessoas que é difícil entender como cabiam num local daqueles, mas havia várias divisões, incluindo sala de conferências, de refeições, dormitórios e escritórios. Lá se encontravam os militares das mais altas patentes de seu estado-maior, além de muitos outros, funcionários e secretárias, ajudantes-de-orem e guarda-costas armados até os dentes. A partir de certa altura também as esposas e outras mulheres, entre elas Eva Braun, amante do ditador, e até crianças. As ligações com o exterior eram feitas por telefone e pelo rádio, quando não através de mensageiros enviados para locais específicos, ainda que correndo todos os riscos. Dali Hitler comandava as operações, dava ordens, assinava documentos e até promovia militares, sempre naquela forma autoritária e ríspida que o caracterizava, obtendo a costumeira submissão de todos mesmo quando se tratava de determinações suicidas.

Desde 1944, após a fragorosa derrota para o Exército Vermelho, nas proximidades de Moscou, Hitler intuía que a guerra estava perdida. Ali as tropas germânicas se depararam com inimigos poderosos, muito superiores àqueles que haviam enfrentado antes e que dominaram com relativa facilidade, invadindo os países que deveriam constituir a “grande Alemanha” composta de quase toda a Europa e vingando de forma definitiva as humilhações impostas pelo Tratado de Versalhes assinado no final da I Guerra Mundial. As tropas soviéticas, depois de tomarem grande parte do país, se aproximavam de Berlim e fechando o cerco em torno da cidade como um alicate. Mesmo reconhecendo a derrota inevitável, Hitler determinava o prosseguimento das hostilidades, ainda que fosse de casa em casa e praticando a política de “terra devastada”, não deixando nada que pudesse servir ao inimigo. Berlim se transformava a cada hora num imenso montão de escombros ao qual se juntavam mortos e mutilados, lixo, veículos e armas destroçados exalando um mau cheiro nauseabundo. Na escuridão reinante nas noites tétricas os habitantes percorriam as ruas silenciosas procurando algo que pudesse servir de alimento. A Capital do Reich se tornara uma ruína e os incêndios ardiam em todos os cantos. Sem mais armas e munições, os soldados alemães lutavam em desespero, recrutando rapazes de 14 anos para sucumbirem numa resistência tão inútil quão desesperada.

No bunker, fragilizado, magro e trêmulo, Hitler insistia na resistência e se recusava a deixar o esconderijo para não abandonar a Capital do Império, como havia prometido, mesmo sabendo que isso lhe custaria a vida. Ainda se iludia com a possibilidade de uma reação das forças alemãs, esperando ataques de batalhões que nem mais existiam. Qualquer indício de contra-ataque o animava e reforçava suas ilusões, nessa altura puras alucinações. Por fim, diante da dura realidade, reconheceu a derrota e declarou aos presentes: “A guerra está perdida!”  Dispensou todos que desejassem deixar e o local e deles se despediu. Com ele só ficaram poucas pessoas, entre elas os altos escalões de seus antigos e poderosos exércitos. Recolhendo-se ao quarto, forneceu veneno à esposa, com quem havia se casado, e deu um tiro na própria têmpora.

Como havia recomendado, seu corpo foi embebido em grande quantidade de gasolina e queimado no jardim da Chancelaria. Não sendo consumido por inteiro pelo fogo, foi enrolado num cobertor e sepultado em cova rasa. Não desejava, de forma alguma, cair em mãos russas, vivo ou morto. Por mais que se procurasse, jamais foi encontrado o lugar exato em que estavam seus poucos restos mortais. Muitos anos depois alguns pedaços de sua arcada dentária teriam sido encontrados. Como diz o autor, o que restou do mais poderoso homem de sua época repousava numa caixa de charutos.

Segundo a previsão do próprio Hitler, com sua morte chegaria ao fim o Império do III Reich, aquele que deveria dominar o mundo e durar séculos. Com ela sucumbia também o mundo totalitário, obscurantista, genocida e fanático que ele havia implantado. A Alemanha, aliviada com o fim do pesadelo, abraçou com sinceridade os ideais democráticos e a eles tem se mantido fiel ao longo dos tempos.

 Analistas de Hitler, com base em suas ações ao longo da vida, concluíram que ele foi sempre tomado por um espírito destrutivo e violento no qual não se deslumbrava qualquer inclinação humanista ou solidária. Para ele, o lema do rei francês seria pouco: “Après moi, le deluge!”  Acentua Joachim Feste sua total indiferença diante da mortandade que provocou em todo o mundo, calculada em 60 milhões de pessoas. Para completar, no final da vida, voltou-se contra o próprio povo alemão que tanto a festejara. Dizia que se tratava de um povo fraco e merecedor do extermínio porque não conseguia vencer a guerra e defender sua Capital. Enquanto meninos que mal conseguiam portar uma arma morriam nas ruínas de Berlim defendendo com desespero aquilo que restava em cumprimento à determinação dele próprio.

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