- Publicidade -
23.2 C
Balneário Camboriú
Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
- Publicidade -
- Publicidade -

O PRESENTE DO GREGO

Com esse título inspirado, o escritor rondoniense PAULO CORDEIRO SALDANHA publicou um livro curioso e revelador, ainda mais para leitores de outras regiões. “O Presente do Grego – A trajetória e o legado de um vencedor” (Temática Editora – Porto Velho/RO – 2020) é a biografia de um grego nascido na Ilha de Creta e que desembarcou na região para fazer a América, como tantos de seus patrícios. Caralambos Vassilakis (1894/1970), então com 17 anos de idade, passou por Nápoles e Buenos Aires, onde um brasileiro aliciava braços para a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em plena Amazônia. Revelando extraordinária coragem e espírito aventureiro, o jovem grego se alisou e partiu decidido para o campo de trabalhos da construção da chamada Ferrovia do Diabo.  Não é fácil imaginar as dificuldades e o tempo de duração da jornada entre a Argentina e a Amazônia. Mas o rapaz estava decidido.

Chegando ao local da construção, foi admitido como cassaco, assim denominados os trabalhadores braçais a quem cabia o serviço mais pesado. Graças à dedicação e empenho, logo conquistou a confiança dos chefes e foi promovido. Passou a comandar um grupo de trabalhadores. Atento ao que ocorria no país e no mundo, ouvinte costumeiro de rádio numa época em que as comunicações eram precárias, tratou de amealhar algum dinheiro para dar início a um negócio próprio. O pagamento dos salários se fazia em libras esterlinas. Estabeleceu-se na região do Abunã e lá se dedicou ao comércio e, mais tarde, à indústria e outras atividades. Transferiu-se para Guajará Mirim, às margens do Rio Mamoré, na fronteira da Bolívia e ali prosperou em seus negócios, tornando-se um capitalista poderoso. Investiu na construção de prédios, participou da criação e presidiu a Associação Comercial e o Clube Helênico-Libanês. Prestou incontáveis serviços à comunidade e reafirmava sempre seu amor e gratidão ao Brasil.

Homem vaidoso e elegante, vestia-se sempre de branco impecável. Afável no trato, conquistava as pessoas e construiu imensa roda de amigos. Revelava conhecer muito bem a Amazônia, suas necessidades e carências, participando sempre de movimentos em favor da região. Na época ela pertenceu ao Amazonas, depois ao Mato Grosso até a criação do Território Federal do Guaporé, mais tarde Território Federal de Rondônia e, por fim, Estado de Rondônia. Consta ainda que houve a tentativa de batizá-lo como Território Federal de Rondônia, em homenagem ao Marechal Rondon, mas ignoro se vingou. Sobre esse passado histórico o livro é rico em informações, revelando intensas pesquisas do autor.

À margem dos traços biográficos de Caralambos Vassilakis, o autor fornece imensa gama de informações sobre Rondônia e a região, revelando-se grande conhecedor da Amazônia em geral. Demora-se na abordagem da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e sua importância fundamental para o progresso regional, ainda que a ferrovia fosse vítima de constantes prejuízos, culminando pela extinção e o abandono às intempéries, como tive ocasião de ver em Porto Velho e Guajará Mirim. Informa ainda, com abundância de dados confiáveis, que a imigração grega para a região foi mais intensa do que em geral se imagina, assim como de árabes, indianos, bolivianos e outros estrangeiros. Traça, em capitulo próprio, interessante retrato da geografia econômica da região. Ressalta os chamados regatões que, em seus barcos, subiam e desciam pelos rios, negociando com os ribeirinhos e promovendo escambos com isso atrapalhando os comerciantes estabelecidos. Anota ainda a constante preocupação de Caralambos com a descontrolada derrubada de árvores de madeiras de lei sem maior critério. Foi um cologista avant la lettre.

Além de empresário vitorioso, o biografado gostava de por o pé na estrada. Viajou pera muitos países, conversando, observando e tirando suas conclusões. 

Intriga-me o fato de que não se naturalizou brasileiro. Apesar de suas constantes proclamações de amor ao Brasil, afirmava que nascera e morreria grego. 

Recebeu muitas e significativas homenagens.

Como toda biografia culmina no mesmo final, Caralambos Vassilakis foi vítima de grave doença na garganta e faleceu vitimado por ela. Sua morte foi sentida pela comunidade e pela região.

O autor produziu bela obra registrando os passos de um grego que, ao contrário do cavalo de Tróia, foi de grande proveito para a terra que adotou. Para não dizer que tudo são flores, ouso externar meu desagrado ante a posição radical do autor a partir da página 80. Um trecho desnecessário e que ideologizou o livro e poderá afugentar leitores. Por outro lado, parece-me que os elogios ao biografado são constantes e exagerados. Mas, como dizia o crítico Wilson Martins, muitos biógrafos acabam enveredando pela hagiografia. E isso parece inevitável.

- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -