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Balneário Camboriú
Dalton Delfini Maziero
Dalton Delfini Maziero
Historiador, escritor, especialista em arqueologia e explorador. Pesquisador das culturas pré-colombianas e história da pirataria marítima.
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JOHN KING – O MENINO PIRATA

O universo da pirataria está repleto de fatos curiosos. Um dos mais interessantes diz respeito ao menino John King, que teve uma breve vida como pirata. Foram alguns poucos meses apenas. Contudo, o relato histórico que o menciona suscita uma série de questões sobre as relações sociais e infantis do século XVIII. Afinal, o que levaria uma criança – calcula-se que John tivesse entre 9 e 11 anos – a abandonar por vontade própria, sua mãe e uma vida tranquila, para se aventurar em uma nau pirata desconhecida e de rumo incerto?

Em pleno século XVIII, não era incomum famílias enviarem seus filhos ainda muito jovens para servirem como aprendizes de marinheiro. Eles eram chamados “macacos de pólvora” ou “cabin boys”. Esses garotos tinham entre 7 e 12 anos e a dura vida no mar era uma oportunidade que, apesar dos perigos, significava uma melhora em suas vidas. Para muitas famílias, a saída de um filho para o mar significava a sobrevivência de todos; pois ele teria a chance de aprender um ofício, uma profissão. Calcula-se que em apenas 3 ou 4 anos, esses garotos já dominavam a arte de navegar.

Tudo o que sabemos sobre John King é oriundo de um único depoimento, cedido pelo Capitão Abijah Savage a Walter Hamilton, Governador das Ilhas de Sota-Vento do Caribe. Em 9 de novembro de 1716, o navio Bonetta – capitaneado por Savage – seguia da Jamaica para Antígua, quando percebeu que dois saveiros o perseguiam. Durante seis horas e meia, os navios não identificados mantiveram-se próximos aguardando o momento ideal para a aproximação. Quando finalmente o alcançaram, hastearam uma bandeira negra, revelando-se piratas.

Diante da ameaça, Savage permitiu a abordagem abaixando suas velas. Os veleiros piratas eram capitaneados pelo inglês Samuel Bellamy e por um francês de nome Louis LeBoure. Um dos navios se chamava Mary Anne e o outro Postillion. Savage acrescentou em seu depoimento que cada veleiro estava equipado com oito armas e carregava cerca de oitenta ou noventa homens; e que os piratas os mantiveram como reféns por 15 dias, roubando vários itens de seu navio, além de roupas e alguns passageiros como “um homem negro e um menino índio”. Contudo, Savage revela uma inusitada cena no último dia de seu cativeiro, envolvendo um menino chamado John King. Segundo o depoente, ele vinha como passageiro em companhia da mãe com destino a Antigua; e foi de tal forma persistente em acompanhar os piratas que “declarou que se mataria se fosse impedido”, ameaçando a própria mãe caso sua vontade não fosse aceita. 

Diferente de outros garotos que embarcavam com a clara função de prestação de serviços mediante um acordo firmado, King o fez da forma mais inusitada e imprevisível. Segundo Savage, nem o aviso de sua mãe, “que ele não sabia onde estava se metendo”, foi suficiente para fazê-lo mudar de ideia. Assim, podemos imaginar que os piratas o aceitaram com admiração, dispensado um tratamento diferenciado do que tinham com outros meninos engajados nesse tipo de serviço.

John King, na ocasião de sua fatídica decisão, não era um menino pobre. Muito pelo contrário, não lhe faltava roupas, comida e uma vida segura; e mesmo assim embarcou em um destino incerto para nunca mais ver sua família. Nunca saberemos, mas devemos nos perguntar que tipo de vida King levava junto a seus pais. Talvez os bens materiais não fossem suficientes. Talvez sofresse algum abuso físico não revelado. Estaria um garoto de apenas 10 anos tão envolto na ficção das aventuras piratas, tão sedento de descobertas, para tomar tal decisão de modo consciente? Uma vez pirata, ele presenciou o assalto de alguns navios entre dezembro de 1716 e abril de 1717, com a captura e saque do que se tornaria a nau-capitânia de Bellamy (o navio Whydah) e o resgate de um tesouro armazenado em seu porão. 

Bellamy – apelidado Black Sam Bellamy – foi um pirata inglês conhecido por sua misericórdia e generosidade com as pessoas que se tornavam suas capturadas. Na ocasião em que ocorreu seu encontro com John King, Bellamy tinha cerca de 27 anos. Era um pirata jovem e inteligente, com uma moral acima da maioria de seus pares. Sua própria tripulação, devido ao trato com aqueles que assaltava, o apelidou de Príncipe Pirata e Robin Hood dos Piratas. Desta forma, podemos imaginar que tenha abraçado a vontade de John King de modo fraternal. Contudo, na madrugada de 26 de abril de 1717, o navio Whydah foi pego por uma violenta tempestade na península de Cape Cod (Massachusetts, EUA). Arrastado do mar para o litoral e novamente ao mar, emborcou levando a morte mais de 140 piratas e mergulhando na escuridão das profundezas, o tesouro acumulado por eles. Muitos corpos jaziam na praia na manhã seguinte. Entre os mortos e desaparecidos estavam Samuel Bellamy e John King. 

O naufrágio do Whydah foi descoberto em julho de 1984 pelo explorador Barry Clifford, que dele resgatou mais de 200 mil artefatos hoje expostos no Whydah Pirate Museum (Provincetown, Massachusetts). E por incrível que pareça, em 2006 foram resgatados restos mortais dos piratas que ficaram presos nos destroços do navio. Entre eles estava uma fíbula (osso da panturrilha) de 28 cm, envolta em uma meia branca de seda e um sapato de couro diminuto. O osso foi levado para estudo laboratorial do Smithsonian Institute and Center for Historical Archaeology, na Flórida. Após diversas análises, concluiu-se que o osso pertencia a uma criança, um menino, da idade aproximada de John King. Desta forma, surgiu a comprovação histórica que King teria sido, mesmo que por um breve período, um dos piratas mais jovens já registrados na história!

Dalton Delfini Maziero é historiador, escritor, especialista em arqueologia e explorador. Pesquisador dos povos pré-colombianos e história da pirataria marítima. Visite a Página do Escritor (https://clubedeautores.com.br/livros/autores/dalton-delfini-maziero)
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