Quando falamos em piratas, geralmente a imagem de um asiático atuando como tal não é a primeira coisa que nos vem à mente. Contudo, longe da pirataria ocidental e dos mares caribenhos, existiu um grande movimento desses bandidos do mar no extremo asiático. Em época remota, um grupo de piratas japoneses aterrorizou aqueles mares, atacando navios e vilas nos litorais das atuais China e Coréia. Esses grupos foram chamados genericamente de Wako, um termo semelhante ao pirata ou saqueador por nós conhecidos. Eles estiveram bastante ativos entre os séculos XIV-XVI e tiveram sua origem específica durante o Xogunato Ashikaga (1338-1573).
Neste período feudal japonês, o território ficou dividido entre Norte e Sul, numa longa e violenta disputa entre samurais, pelo poder. A guerra civil ganhou enormes proporções quando os camponeses começaram a ser recrutados para batalhas que pareciam não ter fim. Muitos morreram. Consequentemente, as terras e fazendas eram abandonadas e a produção agrícola tornou-se insignificante, gerando fome e miséria em quem escapava da morte na guerra. Com o comércio em decadência, muitos homens optaram por lançarem-se ao mar, atuando como piratas e ganhando assim a vida roubando as riquezas alheias.
Um antigo poema chinês de Feng Menglong (século XV) os descreve como hábeis e organizados guerreiros. Diz o poema que, ao se depararem com tropas governamentais, os Wako desmanchavam as colunas de marcha e se atiravam ao chão em forma dispersa, como guerrilheiros em uma emboscada. Ao aceno de seu comandante (Wo Shou), eles se erguiam suas espadas no ar, chamando a atenção dos oponentes, antes de desferir um golpe fatal rasteiro ao solo com sua segunda espada. Essa tática é descrita como “formação borboleta” (Hu Die Zhen). Outras formações – como a “formação cobra longa” – consistia de uma coluna guiada pelo comandante Wako, que atacava oscilando de um lado ao outro como uma serpente. Outra tática era o sequestro de pessoas que, posteriormente, eram obrigadas a correrem na linha de frente das batalhas, amenizando as perdas dos piratas e permitindo que estes se aproximassem dos inimigos sem grandes baixas.
É curioso notar que não existem referências históricas nas fontes japonesas para a existência, atuação e organização dos Wakos. Praticamente tudo o que sabemos deles vem dos registros de quem era atacado: Coréia e China. Desta forma, nestes territórios, os piratas japoneses eram também chamados Waegu ou Wo-k’ou, com o mesmo significado de saqueadores. As descrições desses piratas japoneses, existentes em pinturas de época – “Wako Zukan” ou “O Pergaminho Ilustrado dos Piratas Japoneses” – os mostram usando quimonos curtos acima dos joelhos, uma cabeleira ou franja penteada e espadas bastante curvas e afiadas. Muitos são representados com lanças, machados, escudos, pistolas e arco e flecha. Contudo, também utilizavam armaduras e canhões, estes obtidos pelo contrabando com os portugueses já no século XVI.
Em 1367, a ação dos Wako incomodou tanto os governos fora do Japão, que uma comitiva diplomática coreana (Reino Koryo) visitou o palácio do Xogum Ashikaga propondo a eliminação dos piratas que se organizavam a partir dos territórios de Kyushu e Shikoku (Japão) e a permissão para os coreanos adentarem em suas águas e combatê-los. Naturalmente que a ação não foi permitida e os emissários enviados de retorno ao seu país com alguns presentes em cortesia pela visita. Somente por volta de 1392, os governantes de Koryo decidiram se aproximar dos Wako, inicialmente comercializando com eles, e posteriormente lhes oferecendo terras como agricultores e postos imperiais. Muitos piratas aceitaram o convite, abandonando a bandidagem, enquanto outros seguiram saqueando indiscriminadamente.
Atualmente, os historiadores japoneses tentam, com a ajuda das fontes chinesas e coreanas, reconstruir a história desses piratas. Contudo, tudo indica que o termo Wako teve início com piratas japoneses, mas com o tempo ele foi utilizado também para outros povos que se beneficiavam dos lucros do saque. Alguns manuscritos do século XVI dizem que barcos piratas capturados eram compostos por japoneses, mas também homens de outras nacionalidades como chineses, coreanos, do sudeste asiático e, tardiamente, europeus.
Contudo, uma coisa é certa! As fontes – em especial as chinesas – parecem exageradas na descrição e brutalidade dos Wako; e é provável que esse exagero seja proposital. Alguns pesquisadores acreditam que essa manipulação de sua imagem ocorreu para disseminar o medo e ódio dos chineses contra os japoneses, como forma de maquinações e interesses políticos. Em pleno século XX, o termo Wako foi usado na guerra de invasão da Manchúria, como forma de depreciar os japoneses. Seja como for, a história dos Wako ainda apresenta lacunas para sua total compreensão, e aguarda pela análise daqueles que consigam acessar fontes tão remotas e raras.
Dalton Delfini Maziero é historiador, escritor, especialista em arqueologia e explorador. Pesquisador dos povos pré-colombianos e história da pirataria marítima. Visite a Página do Escritor (clique aqui).