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Balneário Camboriú
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Camelódromo de Balneário Camboriú começou na praia central: relembre a história

A história do Camelódromo de Balneário Camboriú começou há exatos 35 anos, na praia central, com poucos feirantes. Mas o movimento foi crescendo, houve feira ainda no Pontal Norte e também na praça da Avenida da Lagoa (hoje chamada de praça da Cultura ou praça da Bíblia), até chegarem no ponto atual, o conhecido Camelô da Rua 1.520 (conhecido por muitos como ‘camelô da igreja’, por ser próximo da Matriz Santa Inês), mas vale lembrar que há dois outros pontos, o Camelô Schroeder, que fica na Avenida Brasil, e o da Avenida Brasil perto da Rua 2.400. 

O Página 3 ouviu dois dos mais antigos camelôs da cidade, Omar Cajal, que hoje é proprietário das Lojas Demais! (há três unidades pela cidade), e Maria Terezinha Maes Santos, mais conhecida como Teka, que é empresária e proprietária de boxes no local.

Um dos seis primeiros artesãos, que depois se tornaram camelôs

Omar foi um dos seis primeiros camelôs e hoje tem três lojas na cidade (foto Renata Rutes)

O empresário Omar Cajal é argentino de Buenos Aires, e tem uma história antiga de amor com Balneário Camboriú – ele primeiro se mudou para Porto Alegre, onde se tornou camelô, mas pouco tempo depois conheceu Balneário e se encantou pela cidade. 

Aqui ele também começou a trabalhar como artesão e foi um dos seis primeiros a se estabelecer ainda no calçadão da praia central. 

“Saindo do calçadão, indo para a praia, éramos seis artesãos, não era camelô, e sim artesãos. Eu fazia pirâmides de resina, que eu mesmo fabricava. A maioria das vezes eu fazia artesanatos, eu gostava de fabricar meus produtos. E aí foi avançando para 10, 15, 20, tudo no centro ainda. No começo a regra era de que não poderia ter mercadoria que não fosse aquilo que a gente fazia, mas depois começaram a permitir mercadorias compradas, e aí começou a virar camelô e começou a feira”, diz.

Mais de 200 barracas

Camelô na época da Praça da Lagoa

Segundo Cajal, depois da praia, eles foram para o Pontal Norte, onde a feira já estava bem maior, e passavam de 200 barracas. 

“Isso antes da praça da Lagoa ainda, tínhamos que colocar as barras no chão, instalar por conta, mas quando fomos para a Lagoa, alguns anos depois, podíamos instalar barracas de ferro, com lona. A partir das 17h podíamos instalar, durante o dia não podia. Era muito sacrificante porque chovia, ventava, tinha que segurar a barraca porque se não ela ia parar na praia (risos). 

Na Lagoa já tinham umas 280 barracas, eram muitas, e ficamos um bom tempo. As minhas barracas, que ganhei na prefeitura por sorteio, eram a número 1 e número 2, as duas primeiras”, relembra, citando que nessa fase todos já vendiam o que queriam e que predominavam muito os produtos trazidos do Paraguai. 

Muitas promessas foram feitas aos camelôs na época, Omar lembra de uma específica – que o camelô ia ser 24h como era o de Curitiba, que teria música ao vivo, mas isso nunca aconteceu. 

“Sempre teve muito movimento, éramos um atrativo desde o começo, as pessoas vinham para Balneário e nos procuravam, e a prova foi de que veio para ficar, é para outra vida, afinal, já se passaram 35 anos e continuamos!”, pontua.

Divisão dos camelôs

Após a praça da Lagoa, Cajal lembra que os mais de 200 camelôs se dividiram – alguns foram para o camelô da 1.520, outros para o Schroeder (da Avenida Brasil) e poucos para o da Avenida Brasil com a 2.400. 

“Imagina que grande era a feira da Lagoa que chegamos a nos dividir em três grupos. Eu fui para o Schroeder, era chão de pedra, chão batido, lama, e as mesmas barracas que tiramos de lá [da Lagoa], colocamos no Schroeder, mas hoje o camelô mudou, está sofisticado. Tenho muitos amigos até hoje, lamentavelmente muitos se foram, incluindo meu irmão, que era camelô e faleceu de Covid. Eu me orgulho muito de ter sido um dos primeiros seis, e me alegro de ver como está hoje, um luxo, lojas muito requintadas, bonitas… na nossa época eram barracas com lona laranja, com pano, madeira. Progrediu muito, Balneário é referência, não é mais camelô e, graças a Deus, não tem mais o problema da chuva, agora que fizeram a cobertura. Era complicado, quando chovia muito, tínhamos que ficar esperando passar”, salienta.

Fiscalização x pirataria

Quando os camelôs se dividiram, o local viveu uma época de ouro e atraía muitos visitantes, principalmente para comprar pirataria – como CDs, DVDs, roupas, etc. 

Omar vê que esses produtos eram comercializados exatamente porque era o que o público queria. 

“O camelô tem o que o público quer, todo mundo ia atrás disso. O pessoal arriscava, mesmo sabendo que era proibido e aconteciam as batidas da fiscalização, era um risco, mas acontecia a fiscalização. Da noite para o dia eles fechavam o camelô e sabiam quais barracas que tinham pirataria, até arrombavam se estivessem fechadas. Era feio de ver colegas perderem toda a mercadoria, ainda bem que hoje estão quase todos legalizados, porque realmente era muito triste ver, era sofrido, não era fácil”, relembra.

Camelô hoje está muito diferente (foto Renata Rutes)

Omar se tornou empresário e tem três lojas

O argentino se orgulha de olhar para trás e ver o que conseguiu construir. Em paralelo ao camelô, entre 1993 e 1994, ele abriu a primeira loja ‘tudo por R$ 1 real’ de Balneário e, segundo ele, do Brasil, que ficava na Galeria Imperador, que ficava no Calçadão da Avenida Central, e depois teve também duas na Avenida Brasil. Depois disso, ele abriu a primeira loja Demais!, e hoje tem três, especializadas em artigos decorativos, importados e presentes. 

“Fez muitíssima diferença para a minha trajetória ter vindo do camelô, tudo o que eu sei, que aprendi e que tenho, veio do camelô. A gente batalhou muito para chegar até aqui, naquela época Balneário era só a temporada, de dezembro a março, às vezes até abril, e então tínhamos que sair fazer feiras em outros estados, São Paulo, Rio, Goiânia. Até hoje aplico coisas que aprendi no camelô em meu negócio, tudo saiu do camelô. Todos os prédios das minhas lojas são meus, o ‘pouco muito’ que eu tenho veio de lá, criei meus três filhos, casei em Balneário, todos nos criamos aqui, tudo graças ao camelô, não tenho palavras para agradecer”, acrescenta.

Uma das lojas de Omar é a Demais Flores (foto Renata Rutes)

Cajal aproveita para contar que, sempre que pode, visita os camelôs da cidade. 

“É muito legal reconhecer amigos, filhos de amigos, netos, bisnetos. Dizem que já é a terceira geração. Posso não conhecer todos, mas sei quem são, se são parentes de amigos que trabalhavam comigo, por exemplo. Eles herdaram a nossa luta, não passaram o que a gente passou, precisamos enfrentar muita coisa para hoje termos tudo isso”, conta.

Ele ainda mantém a ‘alma’ de artesão, tanto que em suas lojas comercializa artigos personalizados, como nomes e palavras feitos de resina e vidro espelhado, além de ter equipe específica para montar arranjos de flores, tanto para casas/apartamentos quando condomínios, e agora nesta época do ano já se preparam para o Natal – com as lojas Demais! ‘forradas’ de árvores natalinas. 

“E eu também tenho maquinário e monto lembranças de Balneário, como imãs, chaveiros, barquinhos, uma série de coisas,que vendo para lojas ou para o pessoal da praia [ambulantes], alguns fabricamos e outros importamos, já vem com o nome de Balneário”, afirma.


Regularização do camelô foi feita em 1985

Teka e Edson na época da praça da Lagoa, eles comercializavam artesanatos feito de ossos

Maria Terezinha Maes Santos, mais conhecida como Teka, e o marido, Edson (in memorian), eram artesãos e participaram do camelô desde o início. 

Segundo ela, grande parte do pessoal desse início, que trabalhava com artesanato, vinham de locais como São Paulo, da Sé, de Minas Gerais, de Porto Alegre, etc. 

“A calçada da praia foi sendo tomada sem nenhum freio, era só pagar o alvará, na época era assim. Como eu trabalhava no estado, na Secretaria de Saúde ainda não existia o SUS, ganhávamos pouco, e queria melhorar minhas rendas. Com outra funcionária resolvemos também ocupar um espaço, já que éramos da terra. Vendíamos peças em ossos, que comprávamos em São Paulo, e o Edson fazia o trabalho de desenho com o pirógrafo, eram peças maravilhosas”, diz.

Teka guarda até hoje as peças que comercializavam 

Teka relembra que a primeira reunião aconteceu em 1985, para começar a documentação para regularizar a situação dos camelôs.

“Meu marido era economista, primeiro trabalhava na administração da Casan, e era delegado do Sindicato Estadual, usou seus conhecimentos e fez a associação no modelo, iniciamos com pouquíssimas pessoas, na maioria mulheres. Havia muita resistência, pelo medo e desconhecimento das pessoas. Começamos reuniões em uma sala do João Goulart, como fazia vacinas no colégio, falei com a orientadora e diretora, e assim começou, porém começou a luta ferrenha também”, conta.

Realidade dos camelôs era difícil

Segundo Teka, era preciso terem alvarás suficientes para cobrir o décimo dos funcionários da prefeitura, e ‘a maior encrenca’ foi precisar comprovar a moradia na cidade para obter alvará, já que a maioria dos camelôs não era da cidade.

“Vinham de caminhão e encostavam na beira-mar, colhiam a temporada e levavam a colheita, não deixavam nada aqui”, salienta.

Realidade era difícil

Com o passar dos anos, o estresse continuou – Edson, marido de Teka, já estava atuando na administração da construção civil, e orientando como proceder dentro da administração municipal como associação já consagrada no Diário Oficial do estado. 

“Com mais conhecimento e mudanças no governo municipal fomos da praia para a Avenida da Lagoa, aí já não montávamos mais as barracas de ferro com lonas amarradas, podíamos fechar com madeirite, e pelo menos as crianças que ficavam com as mães depois da aula não se molhavam embaixo das mesas onde muitos até dormiam, como a neta da minha vizinha, a Nina, que tem barraca até hoje no camelô, a nº 1, na frente da igreja”, diz.

“Um povo de luta”

Já na Lagoa, veio a ideia de unir as Associações dos Artesãos e dos Pequenos Comerciantes Ambulantes, surgindo a Aspecam, que durou por vários anos. 

“Mais uma labuta, onde surgiu a ideia de aquisição de local próprio, por causa da disputa e desejo de muitos pelo grupo, que antes considerado escória, e grande parte se envergonhavam, até faziam escárnio dos que ali labutavam. Eu até tive uma amiga que estudou comigo no Colégio São José que, quando passou pela minha banca, virou a cara pra mim, e essa mesma passou tempos depois por mim e me cumprimentou. Mas as pessoas se surpreenderam quando, depois de 15 anos em confrontos políticos e até pessoais, a grande maioria mulheres, conseguimos aprovar o camelô na Câmara, e conseguimos o local próprio”, destaca. 

Porém, o ponto escolhido (a Rua 1.520), era na época, ‘um local desacreditado’. 

“Era um estacionamento de ônibus de excursão, com barro na canela, poucos acreditaram, mas em 2000 começamos a ter esperança, aí foi o começo. Estamos com a terceira geração crescendo nesse projeto, com a força do criador do universo. É um povo de luta e é uma alegria muito grande ver onde esse projeto chegou”, completa.


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