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Balneário Camboriú
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Moradoras de Balneário que são celíacas dividem suas histórias: é possível conviver com a intolerância

O Página 3 também ouviu um chef de cozinha sobre o assunto, pois os restaurantes ainda precisam se preparar mais 

A doença celíaca pode ser resumida como uma intolerância permanente ao glúten (proteína presente no trigo, centeio, cevada, malte e aveia). Ela não tem cura e é autoimune, ou seja, o próprio corpo rejeita o glúten. 

Até meados dos anos 2000, era muito difícil encontrar produtos que fossem 100% confiáveis, mas hoje o mercado se popularizou e há mais opções. Ainda assim, quem convive com a doença diz que é preciso avançar mais. 

A reportagem ouviu intolerantes que expressam suas opiniões e relatam o dia a dia, inclusive os desafios encontrados para se alimentar fora de casa – já que há poucos restaurantes realmente livres de contaminação cruzada. Um chef de cozinha, Willian Aimar, também opinou sobre o assunto. Confira. 

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Confeiteira celíaca redescobriu paixão pela culinária ao ser diagnosticada 

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Lizane Boemer

Conhecida como Lize, é fundadora e responsável pela Amor sem Glúten

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Lize voltou para a cozinha, mas focando em produtos sem glúten (foto Arquivo pessoal)

“Minha história começa em 2012, quando comecei auxiliando meu irmão que também é confeiteiro a fazer eventos, café colonial, coffee break. Até aí eu não fazia ideia da minha doença e trabalhava com glúten. 

Em 2014 montamos uma confeitaria e cafeteria em BC e a vivência diária e em grande quantidade com o glúten foi me adoecendo cada vez mais. 

Em 2016 precisei me afastar da confeitaria porque minha saúde estava muito prejudicada, foi quando comecei novamente a busca médica para saber o que eu tinha, até que obtive o diagnóstico da doença celíaca. 

Nessa época eu já estava com 36 anos, desde criança passava muito mal após comer. Já tinha sido internada inúmeras vezes, passado por vários médicos e ninguém descobria o que eu tinha. 

O diagnóstico veio quando, em um almoço em um restaurante, eu passei muito mal e busquei um novo médico. E logo ele disse “ou você é celíaca, pelo seu histórico, ou já está com câncer de intestino”, que é uma das complicações evolutivas da doença celíaca não tratada, no meu caso por falta de diagnóstico. 

Fizemos inúmeros exames, biópsias do sistema gastrointestinal e tudo positivo para a doença celíaca. 

Foi um choque e um alívio. 

Mudar radicalmente minha vida, minha alimentação do dia para a noite, mas feliz por realmente saber o que estava me matando já há 36 anos. 

E aí começou a dieta, adaptar receitas, testar e outras. 

Todo celíaco é marmiteiro, então onde eu ia tinha um lanchinho, afinal de contas não podemos comer nada que possa oferecer risco a nossa saúde e, infelizmente, os restaurantes da nossa cidade não possuem esse conhecimento sobre contaminação cruzada com glúten. 

A contaminação cruzada não se restringe apenas a restaurantes. 

O glúten está por todos os lados. 

E eu sempre oferecia para provar o meu bolo, meu doce. Nas festas da família, eu precisava fazer a comida na minha cozinha (que tinha sido preparada apenas para receber coisas sem glúten, tive que fazer novo enxoval porque a contaminação do glúten nos itens e eletrodomésticos seria um problema). 

E assim as pessoas começaram a provar e gostar, e os amigos começaram a pedir para eu fazer porque era gostoso e porque queriam algo mais saudável. 

Alguns por vaidade e outros porque perceberam a diferença ao ingerir um bolo sem glúten de um com. 

A comida sem glúten te dá saciedade sem causar desconforto gástrico, te dá prazer sem causar mal-estar, principalmente em quem possui alguma intolerância ou restrição. 

Os amigos começaram a indicar para outros e assim eu voltei para a confeitaria. 

Porém, focando em restrição alimentar, atendendo o público celíaco como eu, os sensíveis ao glúten não celíacos e os alérgicos. 

Além da restrição ao glúten, também trabalho com intolerância à lactose e alergia ao leite animal. 

A Amor sem Glúten nasceu oficialmente em 2020, quando eu vi a necessidade de expandir o meu trabalho para ajudar pessoas com restrição alimentar e não me limitar só aos amigos e familiares. 

No final de 2020, fui convidada a participar do concurso gastronômico Saborear e Brindar realizado aqui na região de BC e ganhei o primeiro lugar regional na categoria Sem glúten e sem lactose do ano de 2021. 

Trabalho exclusivamente com produtos sem glúten e por encomenda, entregando em todo o litoral (de Palhoça a Barra Velha) e atendo algumas cidades do Vale (Blumenau, Gaspar, Ilhota, Indaial e Timbó) por agendamento. 

Os pedidos devem ser realizados com antecedência mínima de 7 dias, porém este mês de outubro já estamos com a agenda fechada e novembro também está quase, por conta dos muitos feriados, datas comemorativas e eventos agora para final de ano. 

Nosso foco é a confeitaria artesanal, caseira, porém, sem glúten e sem lactose. 

Temos hoje no cardápio mais de 50 opções de tortas confeitadas, mais de 20 opções de bolos caseiros e diversos salgados também. Tudo preparado com muito amor e cuidado para quem sente saudade de comer algo gostoso, mas sem prejudicar a saúde”.

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  • Para conhecer o trabalho da Lize basta acessar o Instagram @aamorsemgluten ou via WhatsApp (47) 999522552. 

Estudante de Nutrição está fazendo o TCC sobre contaminação cruzada 

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Isa é celíaca e está fazendo o seu TCC sobre contaminação cruzada (foto Arquivo pessoal)

Isadora Appel Suphiatti

Estudante de Nutrição

“Eu fui diagnosticada como celíaca aos dois anos, quando comecei a ter muita dor e irritação. Começamos então a pesquisar o que era e ninguém chegava a nenhuma conclusão, então minha mãe pediu para o médico fazer o exame do glúten, isso foi em 2002. 

Na época não era um assunto muito falado. 

Eu positivei para a doença celíaca. 

Em 2003 surgiu a lei sobre os alimentos precisarem ser sinalizados sobre conter glúten ou não, antes disso tínhamos que pesquisar ingrediente por ingrediente. 

Minha mãe precisava até ir para Florianópolis buscar meus alimentos, porque em Balneário não haviam opções. 

Eu comecei a cozinhar muito cedo, fazia bolo em casa. Inclusive, tudo em minha casa foi adaptado para não haver contaminação cruzada. Hoje todo mundo já se acostumou, entra pão e macarrão, por exemplo, mas a farinha de trigo não porque pode contaminar. 

Melhorou muito o cenário, mas ainda é difícil, por isso estou fazendo o meu TCC sobre contaminação cruzada, junto de alunos do curso de Gastronomia, que são os futuros chefs de restaurantes de nossa região. Vou apresentar o meu TCC no próximo mês e estou tendo resultados bem interessantes. 

Muitos dizem que sabem o que é o glúten, mas confundem com a lactose. Dizem que tem glúten em tal receita e quando questiono, citam o cream cheese. É muito difícil precisar questionar quando vou à restaurantes, fico insegura. Alguns restaurantes consigo ir, mas são poucos. Específicos sem contaminação cruzada é difícil garantir, pois não é só sobre os alimentos, envolve a questão da matéria-prima, pode vir a embalagem em um caminhão onde houve contaminação. Antes de cursar Nutrição, eu fiz Engenharia de Alimentos porque eu tive uma frustração complicada com uma nutricionista em que fui. 

Ela entendeu que eu tenho intolerância, mas me passou uma dieta ignorando tudo. 

Eu gostei do curso de Engenharia, mas entendi que se eu cursasse Nutrição eu poderia mudar e ajudar quem está sendo diagnosticado. Ser celíaca foi um fator que influenciou essa decisão, e a faculdade me mudou muito, porque ter alimentação sem glúten não quer dizer necessariamente que é ser saudável. 

No curso falam em vários módulos sobre a doença celíaca, mas nem sempre aprofundam, só quem tem contato comigo que realmente consegue saber os detalhes. 

Intolerância não é alergia, sensibilidade ao glúten é diferente da doença celíaca. 

É difícil essa questão da ‘moda’ de cortar glúten por dieta porque quando você vai a um restaurante e questiona sobre o glúten, acham que é frescura. 

Não deveriam tirar da alimentação sem necessidade. 

A doença celíaca é algo muito sério, uma doença autoimune que se não tratada afeta o intestino, não conseguimos absorver nutrientes e pode gerar outras doenças, como diabete tipo 1, câncer de intestino, dentre outras”.


Cultura alimentar x pandemia

Lilian Martins

É diretora de Artes da Fundação Cultural de Balneário Camboriú e possui alergias alimentares

“A cultura alimentar pode ser entendida como um conjunto de tradições presentes na alimentação de um povo, numa coerência entre a produção de alimentos, contextos sociais, ecológicos, econômicos e de saúde pública. 

A pandemia trouxe impactos diretos na economia, no meio ambiente, na saúde humana e nas relações humanas, mudando também a nossa percepção em relação ao que consumimos. 

A industrialização massificada, o alto consumo de alimentos ultra processados, a “comida pronta para o consumo” tem impacto direto no desenvolvimento das doenças crônicas, tornam-se cada vez mais uma preocupação e a busca por um estilo de vida mais saudável. 

 informação também está mais acessível, contribuindo para a segurança alimentar. O alimento como expressão cultural sempre foi tema dentro das políticas públicas da Fundação Cultural e do Conselho de Política Cultural de Balneário Camboriú, sendo que a Cultura Alimentar tem uma das cadeiras no conselho, e o frequente apoio às festas comunitárias. 

Alguns índices sugerem que a retomada econômica no pós-pandemia no turismo, como exemplo, deve atender ao perfil do público consumidor mais atento às questões culturais, com mais responsabilidade social e sustentabilidade, ao conceito de Confort food e culinária afetiva. 

Foi desse pensamento que surgiu o Roteiro Gastronômico Cultural, numa ação conjunta entre FCBC, Sectur e EPAGRI, que na primeira edição apresenta sete restaurantes da Barra e praias da região sul, que criaram pratos especiais com insumos locais, relação com técnicas tradicionais e que contam a história da cidade. 

Utilizar-se de insumos locais frescos acrescenta qualidade aos pratos, economia ao arranjo produtivo local e valorização da cultura local e regional. 

Também abre a oportunidade de explorar produtos de menor valor comercial, mas de muita qualidade nutricional e no sabor, como “Maria Luíza”, peixe comum da nossa região. 

Hoje, segundo pesquisas da Univali e Epagri, Balneário Camboriú desembarca cerca de 2 mil toneladas de pescados e 20 mil quilos de mexilhões e ostras, e é um grande contribuinte na economia pesqueira, sobretudo na pesca do camarão sete-barbas. 

Ainda esta semana, num mercado da região, a carne moída estava sendo vendida a R$ 45,00 o quilo, enquanto o camarão sete-barbas limpo para molho, estava por R$ 24,90 o quilo numa peixaria da Barra. 

Em tempos de buscar qualidade de vida com o melhor uso de nossos recursos financeiros, cabe um olhar mais atento aos nossos alimentos tradicionais, as peixarias locais e as feiras da cidade”.


Chef de cozinha opina:

“Mais se percebe a necessidade de atender melhor essas pessoas” 

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Foto: Chef Willian (foto Naiara Steil)

Willian Aimar

É chef de cozinha do Mood Restaurante, chef consultor e professor, além de coordenar o projeto social Servir com Excelência e ser parceiro do festival gastronômico da cidade, o Balneário Saboroso (ele venceu o concurso Batalha dos Chefs, ocorrido em 2019). 

“Balneário Camboriú tem uma vida de grande metrópole quando se fala de gastronomia porque as ofertas que nós encontramos aqui, têm condições de nos atender 24h, temos empreendedores e empresas de todos os portes, desde trucks a empresas tradicionais, como também mais ousadas, que conseguem nos fazer sentir muito bem atendidos e por um preço justo. 

Hoje todos os clientes têm em sua mão a referência para encontrar o preço, o que cabe no bolso e a oferta é muito grande, equilibra com a demanda”, explica.

Qualidade não é um diferencial e sim uma percepção 

Aimar venceu a Batalha dos Chefs e é parceiro do Balneário Saboroso (foto BC Convention)

Aimar opina que a qualidade dos estabelecimentos também vem se equilibrando, ele pontua que qualidade hoje não é um diferencial e sim uma percepção direta do cliente, que consegue perceber através de outras referências, como no Instagram, se a empresa cuida de detalhes e realmente tem qualidade ou não. 

“O Balneário Saboroso, por exemplo, proporciona que as pessoas, literalmente, tenham a condição de conhecer essa gastronomia tão rica de nossa cidade, e também aproxima os restaurantes entre si, que também se empenham em oferecer novidades ao público, enriquecendo ainda mais a gastronomia local, que é um fator muito importante para o turismo”, diz. 

“Estão atentos e buscando atender” 

Sobre a questão da alimentação saudável e glúten free, o chef afirma que no restaurante onde comanda e onde é chef consultor, costuma fazer um menu dentro do menu original onde consta informações específicas sobre pratos como baixo teor de gordura, com restrições e que podem atender celíacos ou que precisa de alimentação mais equilibrada, com legumes e azeite de oliva. 

“Isso é visto, e imagino que, quanto mais cultura dentro das equipes dos restaurantes, mais se percebe a necessidade de atender melhor essas pessoas, que querem ser bem atendidas, mesmo com restrições ou escolhas em sua alimentação. Por exemplo, não atender um vegano ou um vegetariano, quando temos uma linha gigante de hortifruti disponível, é um erro de cardápio, sim. 

É possível criar uma opção para essa pessoa que está buscando uma alimentação em seu restaurante, é muito mais sobre o desejo de atender do que a dificuldade de atender; percebo que os restaurantes estão atentos e buscando atender esse público cada vez mais”, afirma. 

Fome no Brasil x importância dos projetos sociais 

Pratos preparados pelo chef e seus alunos no projeto social da Igreja Luz da Vida (foto Willian Aimar) 

O chef Aimar aproveita para falar sobre a fome no país – pesquisas indicam que mais de 20 milhões de brasileiros estão com dificuldades nesse sentido por conta da crise econômica gerada pela pandemia. Um exemplo disso é a venda de ossos e o desperdício – ele conta que discute isso com seus alunos no curso de Gestão que comanda em uma escola de gastronomia de Itajaí, e que há preocupação em combater o desperdício nos restaurantes, mas que isso ainda é um desafio. 

“Diante disso, os projetos sociais são muito importantes. Eu tenho um dentro da igreja onde congrego, que é a Luz da Vida. Eles têm a obra viva, realmente utilizam e levam melhorias para a sociedade, ajudando o próximo. Porém, se hoje está difícil manter uma família, imagina manter um projeto social. O que eu participo assiste 40, 50 homens que estão se tratando de diversos vícios, como álcool e drogas. É muito difícil e exige excelência. 

Meu trabalho lá é totalmente voluntário, estamos formando a terceira turma que, ao final, poderá voltar ao mercado de trabalho. As pessoas precisam de apoio. Quando alguém consegue estender a mão, deve ajudar. Quem deseja ajudar, pode procurar um projeto social, doar cestas básicas, é somente assim que conseguiremos uma mudança efetiva”, completa.


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