A câmera da chamada online se conecta e exibe uma Carole Crema de olhos baixos, compenetrada. Após alguns segundos, ela explica sem levantar o olhar: “Estou jogando buraco no celular. Se não fixar a atenção em alguma coisa, perco o foco.”
Agitada, espontânea e bem-humorada em qualquer ambiente, seja atrás do balcão da própria loja -a confeitaria Carole Crema, no Jardim Paulista- seja diante das câmeras, inclusive de TV, Carole Crema é hoje a doceira mais popular do país.
Desde 10 de agosto, em horário nobre nas noites de sábado, ela encarna o papel de jurada do reality show Bake Off Brasil, exibido pelo SBT. Após dez temporadas como jurada do programa Que Seja Doce, do GNT, ela já sente na pele o impacto de trocar o canal a cabo pela TV aberta.
“O público do GNT é o mesmo que frequenta minha loja, enquanto o SBT é para todo mundo. Quem me assiste são os funcionários do prédio, o cara que trabalha no estacionamento.”
Ela também está no rádio. De segunda a sexta, de manhã e à tarde, ensina receitas no quadro Hoje Pode, da Rádio BandNews FM.
Tamanha exposição colabora para o sucesso de seu novo livro, “O Mundo dos Bolos da Carole Crema”, quinto de sua carreira, lançado em setembro pela editora Senac Rio (160 págs., R$ 119) -em um mês, os primeiros 2.000 exemplares se esgotaram.
Carole Crema anda na contramão das tendências. Enquanto profissionais da alta confeitaria conquistam prêmios com doces escultóricos com menos açúcar, ela nada de braçada nas receitas à base de leite condensado.
Seu hit é o bolo gelado de coco, embrulhado em papel-alumínio. Na loja que ocupa a mesma esquina há 22 anos -e se chamava La Vie en Douce, até 2017-, a fatia custa R$ 19,90. Mas este não é o único destino de seus quitutes.
Uma fábrica no bairro do Butantã (região oeste de São Paulo) despacha uma tonelada diária de doces para estabelecimentos como as redes Havanna Café e Lanchonete da Cidade, os empórios de luxo Santa Maria e Casa Santa Luzia, e os restaurantes Barbacoa e Quintal DeBetti.
“Acho maravilhosa a alta confeitaria, mas é para comer de vez em quando. Brasileiro gosta mesmo é de bolo de brigadeiro”, afirma Carole. A onda dos doces zero açúcar, sem glúten e sem lactose também não reverbera em seus domínios. “Não é meu público. Quem vai à Carole quer se jogar e comer sem culpa. Já ouvi muita crítica, mas aguentei todas.”
Neta de italianos e portugueses, a paulistana Carolina Crema ganhou o apelido na infância. Graduada em hotelaria, enxergou na cozinha uma boa oportunidade de carreira profissional. “Os professores me sugeriam fazer catering, porque não existia a palavra gastronomia”, lembra.
Com os diplomas da Thames Valley University (atual University of West London) e da Scuola de La Cucina Italiana, em Milão, voltou ao Brasil no fim dos anos 1990, quando a palavra gastronomia começava a entrar no vocabulário do paulistano, e virou professora além de lecionar na primeira turma da Universidade Anhembi-Morumbi, deu aulas na escola WK Cozinha, onde está até hoje, e no Atelier Gourmand.
A performance desinibida nas salas de aula a levou à TV. Dos primeiros programas de variedades, nos quais aparecia como convidada, passou a fazer parte das produções focadas em gastronomia e acabou como apresentadora. “Sempre fui exibida. Recebia muitos convites porque virei uma personagem fácil de trabalhar.”
André Heiras, diretor de Bake Off Brasil, concorda em parte. Segundo ele, a espontaneidade de Carole dá trabalho de vez em quando.
“Atrás ou diante das câmeras, não tem personagem, ela se mostra como é. Se não gosta de alguma coisa, fala abertamente. Dia desses, ela não gostou de gravar uma cena, por causa do anunciante, e foi bem irônica. A gente via que ela não estava feliz.”
Não faltam, porém, marcas querendo se associar à imagem de Carole Crema.
A idade, diz, também trouxe outras certezas. O ecommerce, que distribuía seus doces ao país todo, saiu do ar e não vai voltar. “Meu sócio foi embora do país e me deixou um calote de R$ 150 mil. Não quero mais ter loja online, é muita coisa para administrar.”
Reuniões antes das 11h também foram cortadas fora dos períodos de gravação, suas manhãs são reservadas para a prática de musculação, pilates e ioga, ou para simplesmente escrever e desenhar em um grande caderno de capa vermelha, que funciona como diário ilustrado.
O que não quer dizer que ela vá desacelerar de vez. Enquanto os executivos do SBT discutem a renovação do contrato, está no forno uma colaboração entre seus kits Festa Pronta e a loja online recruztogo.com.br, da chef e empresária Rê Cruz. A previsão é que os pacotes de salgadinhos e doces estejam disponíveis nos aplicativos de delivery ainda este ano.