(FOLHAPRESS) – O jornalismo investigativo e o humor correrão risco caso o STF (Supremo Tribunal Federal) mude o entendimento sobre a responsabilidade das plataformas por conteúdos publicados pelos usuários, afirmou nesta na quarta-feira (4) o presidente do Google no Brasil, Fabio Coelho.
O tema é objeto de julgamento que será retomado pelo tribunal na quarta-feira (4). A corte decidirá sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que prevê a responsabilização das empresas por publicações de terceiros somente se houver descumprimento de ordem judicial.
Até o momento, dois ministros -Dias Toffoli e Luiz Fux- votaram pela inconstitucionalidade completa do artigo 19.
Em entrevista ao UOL, Coelho afirmou apoiar melhoramentos “específicos e cirúrgicos” no artigo, mas defendeu que a decisão sobre o que será considerado ilegal permaneça com a Justiça.
Ele afirmou que, caso a atribuição fique com as empresas, elas “vão ter que preventivamente remover qualquer conteúdo que seja potencialmente questionável para evitar uma responsabilização ou um passivo financeiro”.
“A gente vai ter que priorizar a proteção das próprias plataformas em detrimento da liberdade de expressão”, diz.
Remoções extrajudiciais de conteúdo
Coelho citou jornalismo investigativo, humor e propagandas eleitorais como possíveis conteúdos que podem ser afetados a depender de decisão no STF.
“Qualquer matéria de jornalismo investigativo poderia ser removida, porque algumas pessoas argumentariam que a denúncia não está comprovada e que se sentem caluniadas. O jornalismo investigativo é muito importante para nossa democracia”, declarou.
Sobre o humor, disse que ficaria também vulnerável, “porque as plataformas vão ficar com medo de aquele humor ser interpretado como verdade”.
Ao ser questionado sobre o voto do ministro Dias Toffoli, o presidente do Google no Brasil afirmou que “o ambiente digital é muito diferente de uma empresa de mídia”.
O CEO defendeu na entrevista “exceções para remoções extrajudiciais” de conteúdo em casos mais graves, como incitação ao suicídio, exploração de menores e atentado ao Estado democrático de Direito, e afirma que isso já é feito pelo Google.
Ele também negou que o endurecimento das regras de remoção de conteúdos de ódio possa afetar a lucratividade das plataformas, mesmo que esse tipo de conteúdo viralize com mais frequência.
BIG TECHS E POLÍTICA
Sobre a relação entre plataformas e governos de extrema direita, o presidente da big tech diz não poder falar pelas outras empresas, mas afirma que o Google é “apolítico e apartidário”.
“Em Brasília, nós conversamos com todo mundo. Respeito passa por engajar com políticos de todos os espectros e entender que temos que trabalhar para que o ambiente digital continue evoluindo”, afirmou. Ao ser questionado sobre o treinamento oferecido em um seminário de comunicação do PL, ele citou a atuação do Google junto a outros partidos e governos anteriores.
Ele evitou comentar possíveis violações à liberdade de expressão por decisões do Supremo e sanções do governo de Donald Trump à Corte e ao ministro Alexandre de Moraes.
PROJETOS DE LEI E ATUAÇÃO NO BRASIL
Questionado sobre as tentativas do governo de retornar o debate sobre o projeto de lei das fake news no Congresso Nacional, Coelho disse considerar mais importante as discussões entorno de outro projeto: o PL 2.338 de 2023, que regulamenta a inteligência artificial e o uso dos conteúdos para treinamento dessa tecnologia.
Para o presidente do Google no país, o tema é importante para “construir um arcabouço” e atrair investimentos de empresas do ramo para o Brasil. “Essa discussão de fake news está ligada com essa reforma do artigo 19 do Marco Civil. E, a resposta mais simples é sim. Eu colocaria mais energia no projeto de lei de inteligência artificial”, afirma.
O projeto cuja prioridade Coelho diz defender prevê remuneração dos donos dos dados usados para treinar as inteligências artificiais. Segundo ele, eventual mudança nesse sentido pode impactar nas operações da big techs. “Se tiver que remunerar todo mundo, não sabemos nem como isso pode ser feito. Isso pode ser inexequível”, afirma.
Questionado se, a depender de mudanças de regras, o Google poderia deixar o Brasil, ele disse que uma decisão como essa não caberia a ele. “O que posso repetir de maneira enfática é que não temos lado no Brasil e que trabalhamos com todos os espectros políticos”, conclui.