Memória & Histórias 30 anos JP3
(Equipe de funcionários e colaboradores)
Durante esses 30 anos de jornalismo do Página3, passaram pela redação dezenas de funcionários e colaboradores, esse relato é de um deles.
“O Página 3 surgiu numa sala minúscula na rua 620, pertencente à dona Rosa, que o corretor de imóveis não queria nos alugar alegando que jornais quebravam antes de completar um ano.
Antes de completar o tal ano o corretor agourento quebrou, foi embora de Balneário; o jornal seguia firme e eu já estava perfeitamente aclimatado num dos espaços mais muvucados da cidade, o Pata Pata.
O Pata Pata, distante menos de 100 metros do jornal, na esquina da 600 com a Central, era efervescente, dentre outras razões, porque na frente funcionava a Caixa Econômica Federal, local onde em algum momento todos os moradores daqui e de Camboriú iriam passar.
Do caixa da Caixa para o pastel do Pata Pata era um pulo e muitos já conheciam o caminho da roça, porque ali foi o restaurante da velha rodoviária, portanto tinha no DNA o vai e vem de pessoas.
No Pata Pata se reunia a fina flor de tudo que se imagina e, conta a lenda, numa mesa mais retirada, funcionava a Câmara de Compensação de Cheques Chiquitas, onde circulavam papeluchos bancários de origem desconhecida e baixa liquidez.
Um desses cheques, pelo que contavam, já havia passado pelo bolso de meia cidade sem que ninguém lograsse descontá-lo, por persistente falta de fundos.
Também havia, aparentemente, curiosas negociações envolvendo imóveis em frente ao mar localizados na BR-101 e descontos generosos em tributos do município, pagos ali mesmo, em espécie.
Para os jornalistas, era um prato cheio, as notícias flutuavam no ar. Certo dia, após algumas Brahmas, o sujeito ao meu lado no balcão, me contou que havia fraudes na prefeitura.

No dia seguinte fui ao seu escritório e, no meio de uma bagunça assombrosa, encontrei as provas do que ele havia afirmado: fraude mesmo e cuja notícia deflagrou uma sequência de graves episódios que sacudiram a vida da cidade.
Nessa época o Pata Pata era comandado pelo Júlio César (pai do estimado Adriano Cordeiro, dono da agência de publicidade Tempo Brasil) e seus irmãos Romeu e Florival.
Os três, meio a contragosto, penduravam cervejas para mim, Elias Silveira, Oliveira Brandão, Hilton Siqueira e outras figurinhas da eletrizante mídia local.
Quando eu lembrava ao Júlio César que seu amado PMDB nunca havia ganho uma eleição municipal (ganharia 18 anos depois), ele ficava emburrado e cortava o meu pendura ou cobrava a conta.
Aos sábados era sagrado, um táxi buscava o já idoso construtor Mussolini Cechinel em casa e o trazia ao Pata Pata, onde ele me pagava uma cerveja e tentavamos resolver os problemas da Cidade e da Nação.
Guardo com saudades as conversas com aquele homem de muito dinheiro e visão humana invejável.
Um dia falamos de próstata, aqui só havia Santa Inês e Marieta, eu o incentivei a ir a São Paulo, no Sírio ou no Einstein, mas ele não quis ir.
O Pata Pata era território dominado pelo ‘meu amiguinho’ Carlinhos Rosa, dono do imóvel e que morava numa casa em cima do restaurante.
Não sei de onde Carlinhos tirou o nome, talvez da música “Pata Pata”, um sucesso dançante que estourou mundialmente em 1967 pela voz da Miriam Makeba.
Carlinhos Rosa gostava de mim, era desbocado e não mandava recados. Um dia ele topou e gravou várias horas comigo, com a condição que as gravações só fossem publicadas após sua morte, que ocorreu quatro anos atrás.
As fitas ficarão guardadas, não vou publicá-las, mas a primeira pergunta (“quem são os maiores ladrões de Camboriú”) fez ele desfiar um rosário de nomes.
Foi no Pata Pata que molhei numerosas vezes a amizade com uma das figuras mais queridas de Balneário Camboriú, o Arnaldo João Sansão, fotógrafo da prefeitura que costumava passar quase todos os dias no jornal: no horário do aperitivo do almoço e no horário do aperitivo do final do expediente, quando nos juntávamos ao Carlitos da Eletrônica, ao Alemão Oelke e outras figuras de pote já meio cheio.
Anos depois o Júlio César passou o restaurante para o Tonho, o cunhado, tocar. O Tonho sabe das coisas, hoje é proprietário de um dos melhores estabelecimentos da região, o Costelaço do Tonho, em Itapema.
E aí veio o irmão do Tonho, o Almerindo (Nenê) que gastou o umbigo no balcão, juntamente com a esposa, um casal querido e trabalhador.
Felizmente progrediram, o Nenê investiu em construção e alimentação no bairro e hoje toca um restaurante afamado em Camboriú, onde serve churrasco de igreja aos domingos.
Desde então o Pata Pata evoluiu de botecão a restaurante de verdade, agora se chama Cristtal Tempero Brasileiro Restaurante e serve comida bufê, a preços civilizados, conquistando excelente avaliação nas redes sociais.
De certa forma, bastou a fauna parar de frequentar para o negócio progredir.




Nota da Redação: Waldemar Cezar Neto é jornalista e editor do Página3 há 30 anos