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Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
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JEITÃO BRASILEIRO

O Brasil é tido como o país do jeitinho. Alguns, no entanto, são tão grandes e chocantes que bem merecem a categoria superlativa de jeitões. Dentre estes, sem dúvida, se enquadra o fato histórico e verídico relatado por Francisco de Vasconcellos. historiador e folclorista de envergadura e autor de vasta obra no livro “O Apostolado do Sofisma” que reúne cinco ensaios dos mais interessantes (Arteg Bureau de Artes Gráfica e Editora – Juiz de Fora – MG – 2021);

 A cidade de Campanha do Rio Verde, situada no sul de Minas Gerais, vivia dias tranquilos, ainda que nos bastidores rugisse a mais vil e ferrenha politicagem entre progressistas e conservadores. Importante comarca daquela região, assumiu o juizado o Dr. Joaquim de Azevedo Monteiro, “cidadão dotado das qualidades essenciais exigidas a um magistrado”, como depõe o ensaísta. Com a experiência de quem viveu longos anos em “bibocas arredias de civilização”, como dizia Godofredo Rangel, imagino que o juiz foi desde logo submetido a provas de coragem e independência. Revelou-se, no entanto, um magistrado que não se submetia aos mandões do momento e às arbitrariedades praticadas pelos que serviam aos poderosos. Concedia sem temor habeas corpus e outras medidas em defesa dos perseguidos. Foi a conta! Imagino que tentaram amedrontá-lo das formas mais infames, mas o magistrado se mostrou inflexível e não alterou seu modo de proceder.

Teve início, então, uma sórdida campanha contra ele. Calúnias, difamações e toda sorte das mais ignóbeis mentiras corriam de boca em boca, visando desgastá-lo para obter a sua remoção. Mas o juiz não se rendia e não se afastava do texto da lei para o ódio e o inconformismo dos que desejavam se livrar dele. Mobilizaram as forças políticas do Estado e as integraram à indecente batalha contra um homem que só tinha por si a Constituição. A própria Assembleia se mostrou propensa a aderir ao apedrejamento. Mas esbarrou num obstáculo: o juiz era irremovível por força da Constituição!

Não obstante, algum jeito haveria de existir.

E as maquinações tiveram início. Mentes privilegiadas entraram em ação. Havia uma complexa equação a resolver: um juiz a ser banido, mas ele era irremovível por imperativo constitucional. No entanto, alguma fórmula haveria de existir.

 Até que a luz brilhou em alguma cabeça. Não havia como remover o juiz? Vamos extinguir a comarca e tudo se resolver!  A Assembleia abraçou a ideia e entrou em ação. Aprovou uma lei extinguindo a comarca e anexando seus distritos às comarcas vizinhas.  Estava solucionado o problema. O magistrado ficou sem comarca, sem poderes e sem jurisdição. Suspenso no ar, só lhe restava recolher a mudança e trocar de ares. A comarca de Rio Verde deixou de existir.

Os inimigos do juiz se rejubilaram; as pessoas honestas se envergonharam. O ato indecente entrou nas páginas da história mineira como expressa e descarada violação do Direito Constitucional. Por sorte, porém, existe um pesquisador como Francisco de Vasconcellos que se deu ao trabalho minucioso de tirá-lo do ostracismo e revelá-lo ao público. Para que nunca mais se repita.

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