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Balneário Camboriú
Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
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O AJUDANTE VOLUNTÁRIO

Nos meus tempos de Promotor no Taquaral, depois de um ano isolado do mundo, entrei em férias. No outro dia, muito cedo, embarcamos no carro para uns trinta dias longe do foro e dos processos. O pobre Opala levava o casal, a empregada, aliás bem robusta, três filhos ainda pequenos e dois cachorros de estimação, daqueles “fox” pretos e de pernas longas – a Bolinha e o Mundinho. Sem falar nas malas, sacolas e pacotes que atulhavam os cantos disponíveis, dando a impressão de que o veículo não tardaria a abrir as pernas, ou melhor, as rodas.

Chovera bastante durante a noite e partimos espadanando água suja e lama vermelha pela estrada lisa e cheia de curvas. Sair dos “trilhos” traçados pelos pneus era encalhada certa, havendo também o risco de acavalar no “murchão” que se formava entre eles, exigindo muito cuidado do motorista. Mas lá fomos nós, ansiosos para “sair no limpo” e rever a civilização.

Depois de uma hora de andança, vencendo subidas e descidas, curvas e atoleiros, chegamos numa cidade intermediária, postada a meio caminho da rodovia asfaltada por onde chegaríamos ao destino. Foi então que minha mulher resolveu visitar a igreja recém-reformada para ver como tinha ficado. Manobrei naquela direção e estacionei num pátio aberto em que se realizavam as festas do padroeiro.

Os cachorros foram os primeiros a descer e se puseram a correr, alegres com a liberdade. Visitamos a igreja e andamos um pouco, estirando as pernas e comentando as melhorias do gracioso templo. Mas era necessário prosseguir, que a viagem seria longa e o céu cinzento prometia mais chuva. E o frio dos Campos Gerais aumentava.

No momento de embarcar, porém, os cachorros se recusaram a entrar no carro, talvez prevendo o sacrifício de uma prolongada reclusão. Foram inúteis os chamados amigáveis e os ralhos, meus e das crianças. A dupla nos olhava e corria, não revelando a menor intenção de nos acompanhar. Irritado com aquilo, desci outra vez e tentei pegar os relutantes, mas eles escapavam sempre, como num jogo de pega-pega. Com os sapatos e as calças enlameados, fiquei um tempão na perseguição inútil, sentindo-me ridículo naquela situação.

Já estava desistindo quando entrou no pátio uma figura bizarra. Vestindo bombachas e calçando botas gaiteiras, tinha um tirador na cintura e se cobria com imenso chapéu de abas largas. Percebendo minha dificuldade, deu uma risada que lhe sacudiu a bigodeira e resolveu me dar um ajutório.

– Vamo cercá que nem garraio no campo! – gritou ele, ensinando-me a estratégia a adotar.

Curvou-se um pouco, abriu braços e pernas, foi chegando na direção dos cachorros, enquanto eu fazia o mesmo pelo outro lado, tentando fechar o cerco da maldita dupla fujona. Meio espantados com a estranha figura que vinha em meu auxílio, os cachorros observaram um pouco mas, quando o bombachudo se aproximou para agarrá-los, ambos arreganharam os dentes, rosnaram forte e avançaram furiosos na sua direção. Apanhado de surpresa, ele gritou “São brabo! São brabo!” e abalou pelo canto da igreja com os cães no seu encalço, ameaçando morder-lhe os calcanhares. Escorregando e caindo, bufando e espirrando barro, todo enlameado, meu ajudante voluntário desapareceu entre as casas, gritando como doido:

– Sai jaguarada! Sai jaguarada!

A perseguição, no entanto, não durou muito e logo os dois cãezinhos voltavam ao pátio, ainda sem a menor intenção de embarcar. Ante os protestos em coro das crianças, resolvi deixar os teimosos ali mesmo. Que se arranjassem, aquelas pestes! Embarquei no carro e toquei pela estrada, decidido a me livrar dos indisciplinados. As crianças choramingavam e romperam relações comigo, quando alguém olhou para trás e avistou os cachorros correndo desesperados no rumo do carro. Bastou abrir a porta para que saltassem para dentro, com as mais efusivas manifestações de carinho em que não faltaram lambidas e pisadas com patas embarradas que tudo sujaram. Embora a viagem durasse várias horas, não faltou assunto e todos se divertiam a valer recordando minhas peripécias e de meu infeliz ajudante voluntário.

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