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Como se forma o agressor de mulher?

Texto: Robson Ramos

Os índices de agressão contra a mulher são mais do que alarmantes. Parece uma epidemia, e sem cura. Ao mesmo tempo, lamentavelmente, vamos nos acostumando com essa realidade. Há uma sensação de impotência diante dessas ocorrências, como se nada pudesse ser feito. Mas isso não pode acontecer. Infelizmente Santa Catarina ocupa lugar de destaque nesse quadro macabro. Como bem sabemos Balneário Camboriú já faz parte desse mapa. Nem é preciso enumerar os casos locais.

Apesar disso ficamos todos paralisados esperando a ocorrência do próximo caso, como se fosse a ação de um alienígena que surge inesperadamente das sombras para atacar mais uma. O caso da semana passada logo terá o espaço nas manchetes tomado por um novo ataque. E nada fazemos.

No entanto não vejo nenhuma iniciativa da parte de educadores, autoridades, sociólogos e juristas no sentido de pesquisar e entender o que está por trás desse fenômeno. Como nasce, ou, como se forma um agressor de mulher?

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O Código Penal define Feminicídio como o “assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino”, ou seja, quando o crime envolve “violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. Porém, a título de provocação e aprofundamento desse debate quero sugerir que a agressão que resulta em Feminicídio é apenas a ponta do iceberg. A meu ver a agressão, por parte de um homem, ocorre essencialmente porque ele tem dentro de si, na sua personalidade que foi desenvolvida ao longo dos anos, desde a tenra infância, a lógica do machismo e a necessidade de autoafirmação.

No dicionário Aurélio a palavra “machismo” é definida como “modos ou atitudes de macho. Ideologia segundo a qual o homem domina socialmente a mulher”. Outro dicionário remete ao orgulho masculino em excesso, virilidade agressiva. São muitas as formas de definir e descrever o que seja “machismo”.

Machismo, em outras palavras, é a postura caracterizada por opiniões e atitudes que um garoto, adolescente ou homem adulto tem que denota o pensamento, segundo o qual, o masculino está sempre em posição superior ao que é feminino. O machismo é a ideia equivocada de que o homem é superior à mulher e que pode desrespeitar sua esposa, namorada ou colega de trabalho. Essa atitude está entranhada nas raízes culturais da sociedade no sentido mais amplo e, de forma mais próxima a nós, no ambiente de trabalho, na política, na religião, na mídia e na família.

Por outro lado, a mulher, na medida em que se vê coagida a assumir uma posição de submissão e subserviência ao homem, com dificuldade para se expressar e, não raramente, impotente para reagir aos padrões culturais vigentes, tendo que dar preeminência às vontades do namorado, companheiro ou marido, e quando não, do próprio pai. Quem já não ouviu a expressão – “pai de menina é fornecedor”?

As atitudes e agressões contra a mulher estão presentes em todas as formas em nossa sociedade, e começam cedo, quando a personalidade de meninos e meninas ainda está sendo formada. A formação familiar é determinante. Por outro lado, é raro alguém propor um estudo minucioso sobre as condições que levam um homem a ter essa forma de pensar. Por que será? A meu ver os índices são significativos o suficiente para fazer com que psicólogos, educadores, sociólogos, juristas e outros, se reúnam para discutir amplamente essa questão.

Será que alguém irá contestar que certos valores culturais, familiares e religiosos estão na raiz da formação de indivíduos com perfil de agressor? Ninguém levanta da cama um dia e resolve, do nada, cometer o crime de feminicídio, por exemplo, ou praticar qualquer outra conduta que tenha o mesmo princípio ativo, o do machismo, contra sua namorada, companheira, esposa ou até mesmo sua mãe.

Os vetores sociais que pautam os padrões de comportamento vão gestando o desenvolvimento da personalidade machista num menino ainda pequeno. E, na medida em que o garoto vai crescendo a postura machista já presente, ainda que imperceptível, vai tomando contornos mais acentuados e sendo reforçada pela maneira como o pai trata a mãe, na forma como os amigos da escola tratam as colegas, no ambiente de trabalho ou na faculdade.

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Ao invés de ser tratada como uma companheira, com capacidade de pensar, de opinar e de se posicionar sobre qualquer assunto, a mulher é tratada como se fosse de uma casta inferior, sem as mesmas prerrogativas do homem. Ou seja, o jovem e a jovem, se comportam da forma como todos se comportam e reagem, afinal, presumem, é o que se espera deles. Esse padrão que os leva a pensar que esse é o jeito de ser, é resultante da adequação do pensamento, comportamento típicos de uma estrutura que lhes dá sentido e conforto. Ou seja, o grupo social no qual estão inseridos serve de legitimação de uma postura e visão de mundo “machista”.

Segundo o pensamento de Peter Berger, sociólogo Austríaco, poderíamos fazer uma justaposição do conceito da “estrutura de plausibilidade” por ele apresentada no livro O Dossel Sagrado, ao contexto social no qual vivemos que, sabidamente é fortemente marcado por padrões machistas. Na medida em que esses padrões seguem incólumes e são passados de geração a geração sem que sejam confrontados, eles permanecem reforçando o comportamento e atitude do homem e da mulher, desde a sua infância. Presume-se, portanto, que se todos vivem assim então é plausível e faz sentido, que essa seja a maneira certa de viver. Consequentemente, uma comunidade estruturada numa determinada região, com seus padrões, valores e peculiaridades culturais, se torna um exemplo de “estrutura de plausibilidade” para as pessoas que nela vivem.

Recentemente estava visitando uma família, que me convidou para um típico “café colonial” em sua casa. A conversa era amigável e despretensiosa sobre um assunto qualquer, sem grande importância, mas, num dado momento, a esposa quis emitir uma opinião diferente daquela que o marido estava expondo. No mesmo instante e num tom autoritário, ele retrucou: “Fica quieta mulher … você não sabe o que está falando!” Ela ainda tentou argumentar mas ele repetiu a mesma frase – “Fica quieta … você não sabe o que está falando!”, fazendo com que ela ficasse quieta e continuasse servindo os convidados.

Lembro-me de outra situação que testemunhei, quando resolvi parar para tomar um café num posto de gasolina ao longo da BR 470, na altura de Blumenau, num sábado à tarde. Enquanto estava ali tomando um café e comendo um pão de queijo, notei que junto à mesa ao lado havia alguns homens, se divertindo e rindo alto. As pessoas entravam e saiam e eles não se importavam. Resolvi prestar atenção – discretamente – na conversa que parecia diverti-los tanto. Eles estavam contando uns para os outros, de maneira jocosa, o que as suas esposas pediam para eles fazerem na casa, antes do Natal. Um deles dizia que a mulher pedia que ele arrumasse o telhado, outro dizia que sua esposa pedia que ele arrumasse o portão de entrada, e assim, sucessivamente. Ou seja, os pedidos de suas respectivas esposas e que possivelmente eram pedidos reiterados ao longo do ano, serviam de motivo de chacota entre os amigos, evidenciando total desrespeito pelas suas companheiras de vida que lavam e passam suas roupas, cozinham para a família, arrumam a casa e, possivelmente, ainda trabalham fora.

Há poucos dias uma conhecida me relatou uma situação muito delicada que ela enfrentou no ambiente de trabalho. Num evento do qual participava com vários professores de uma renomada universidade, sentou-se ao lado de um casal. O homem, acompanhado de sua esposa, era o coordenador do curso de uma determinada área. Além deles havia outros colegas, professores. Aquele que estava ao lado, também professor, sabia que sua colega havia saído recentemente de um casamento e, na frente de todos, inclusive de sua própria esposa, dirigiu a ela as seguintes palavras: “e aí, quer dizer que você está na prateleira?” A esposa do fulano ficou constrangida porém não esboçou qualquer reação. Os outros colegas idem. Omissos perante uma situação de flagrante desrespeito nada disseram. Mesmo sendo profissionais supostamente educados e de ótimo nível, o compromisso com o respeito e a dignidade, havia sido tirado da pauta naquela hora. Afinal, o agressor, que se dirigiu à colega daquela forma era o chefe de todos eles.

Aceitemos ou não, vivemos em tempos de “anomia” que, segundo o pensamento de Êmile Durkheim, considerado o pai da sociologia, remete a um contexto social de ausência de regras e normas na convivência social, levando ao definhamento dos vínculos sociais e incapacidade da sociedade de se impor sobre aqueles que se comportam de maneira imprópria. Zygmunt Bauman, renomado sociólogo polonês, em seu livro intitulado Babel referiu-se a esses tempos de sociedade líquida – expressão por ele consagrada – como “uma desordem que é nova, mas ainda assim babélica”.

Em tempos de anomia e desordem babélica, como esses em que vivemos, o machismo floresce com muita força especialmente em ambientes culturais que oferecem condições favoráveis para que isso aconteça. Para combatê-lo é preciso uma conscientização em todos os níveis, em especial no terreno onde ele brota de maneira mais sútil, ou seja, na família. Essa conscientização, porém, tem que ser transformada em ações concretas. O mero uso da palavra – conscientização – não trará mudança de espécie alguma. Precisamos olhar para as atitudes do dia a dia.
Enquanto trabalho nesse texto vejo uma propaganda conhecida, na TV, falando, e com razão, sobre o “respeito” como forma de coibir a violência contra a mulher. Mas esse respeito tem que ser ensinado aos pais, jovens e crianças, desde cedo, e também debatido no meio empresarial, nas escolas e universidades. É preciso destrinchar e explorar mais a fundo o significado dessa palavra, e mostrar para as pessoas como o “respeito” está sendo violado no âmbito da família, no ambiente de trabalho, na escola, na faculdade, nas relações sociais.

Homens e mulheres, crianças de todas as idades precisam ser alertados sobre o fato de que padrões de relacionamento, pessoais ou profissionais, marcados pelo machismo, ainda que de forma sutil, podem levar alguém acostumado a desrespeitar sua irmã, mãe, namorada ou esposa a ter atitudes mais graves quando a sua personalidade de macho, de superior, for confrontada por uma situação que possa desencadear uma frustração que, na lógica do machismo alimentado e reforçado ao longo da sua formação, o leva a perder o controle de si. Acrescente-se a isso tudo os possíveis desvios de personalidade plantados ao longo de uma infância absorvendo as influências negativas de seu pai, ou de sua mãe, criando traumas psicológicos que irão aflorar em algum momento futuro.

Entretanto, para que esses padrões possam ser interrompidos é preciso que a mulher também aprenda a se colocar. Afinal, quando o homem está no papel do agressor ele encontra a contrapartida na mulher que faz o papel da vítima. Nesse jogo ela vai se colocando numa posição de inferioridade. Mesmo sendo desvalorizada pelo companheiro ela ainda é capaz de dizer: “as coisas seriam diferentes se eu fosse melhor para ele”.

O homem precisa romper esse padrão, mas não depende só dele. A mulher também precisa sair desse papel de vítima, se posicionar, aprender a dizer “não” e recuperar o seu valor. Ela precisa reconhecer isso, ir a uma delegacia e apresentar a notícia-crime (“dar queixa”, na forma mais comumente conhecida) à polícia. Importante lembrar que não é só a violência que resulta em lesão física. É também aquela ação ou omissão que cause danos psicológicos, morais ou patrimoniais. Por outro lado, temos que reconhecer que o medo de uma agressão mais grave, ou de ficar no olho da rua, faz com que a mulher na condição de vulnerabilidade se encontre num dilema. O que fazer diante do medo de denunciar e as medidas protetivas não surtirem efeito? Como lidar com a realidade de não ter como se sustentar e cuidar dos filhos quando o provedor é o companheiro agressor? Em situações desse tipo sabe-se que o marido ou companheiro agressor simplesmente diz para ela: “Se você não está satisfeita pegue suas coisas e vá embora”. Foi isso que ouvi de uma mulher com quem conversei não faz muito tempo. Ela me perguntou: “Doutor, o que eu vou fazer? Vivemos juntos há 13 anos, temos uma filha de 5 anos, não trabalho fora e não tenho uma profissão. E toda vez que temos alguma discussão é isso o que ele me joga na cara.”

O que se vê no dia a dia é o desrespeito verbal e o cerceamento da liberdade da mulher, diante dos quais ela pode e deve se posicionar perante seu companheiro, para que tenham uma relação respeitosa de fato, na qual o valor de ambos é respeitado e igualmente valorizado.

Recentemente, após uma palestra, uma moça ainda bem jovem, me disse que após ter dado à luz ao segundo filho, desejava passar uma semana na casa da mãe, na mesma cidade. Mas ela não foi. Simplesmente porque o marido não concordou. Ao invés de dialogar com ele para entender as razões que o levavam a não concordar, ela simplesmente se calou, privando-se de passar bons momentos com sua mãe e, ao mesmo tempo, deixando de se posicionar de forma legítima em defesa do seu valor como pessoa igual na relação conjugal.
Naquele momento, ao silenciar, ela reforçou a postura injustificadamente dominadora do marido.

Assim, dos pequenos delitos – de desrespeito – o indivíduo parte para os grandes. É o caso do homicida que tenta estuprar uma mulher mas, não conseguindo consumar o ato acaba matando sua vítima simplesmente porque ele é impotente. E sua impotência, que certamente tem um histórico psicológico vindo da infância ou adolescência o leva a cometer atos de barbárie.

O machismo é como um câncer que vai sendo alimentado pela interação entre as pessoas. Ao mesmo tempo atua na vida do indivíduo que, uma vez ativado por um “pé-na-bunda”, por exemplo, pode levá-lo a uma atitude extremada e com maior gravidade. Um “fora”, pode levar o homem com esse perfil a se sentir menor, se achar que sua virilidade está sendo colocada em cheque. Nesse instante se vê aflorada a necessidade de autoafirmação perante os outros, perante si mesmo, e, em especial, em relação à pessoa que ele supostamente ama e sobre quem supõe ter direito.

Pode ser também que, ao passar por uma experiência desse tipo, o indivíduo que tem esse viés machista exacerbado perca o chão que tinha na sua mulher ou companheira fazendo com que ele se sinta perdido, sem a referência emocional ou social que a esposa representa. É nesse momento que o indivíduo, achando que está tudo perdido mesmo, perde a razão por completo.

Como se forma o agressor de mulher? Potencialmente ele está em toda parte e em nosso próprio meio. Precisamos encontrar formas de detectá-lo e combatê-lo. É preciso também entender e saber o que é patológico nisso tudo, e o que não é.

Enquanto ações preventivas não forem implementadas de forma pontual, em todos os níveis e esferas, notícias sobre mulheres sendo ofendidas, desrespeitadas, agredidas e mortas por “ex” namorados ou maridos continuarão ocupando as manchetes dos jornais. Mas aí vamos ter que reconhecer que todos nós temos alguma coisa a ver com isso.

Sobre o autor:

Robson Ramos é advogado, consultor e mediador visando a solução de
conflitos familiares. Membro da Academia de Letras de Balneário
Camboriú e autor da obra: O Idoso do Plaza: crônicas para saber
envelhecer! Foi presidente do Conselho Municipal em nossa cidade, de
2009 a 2011. Reside em Balneário Camboriú, SC.

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